A Alemanha declara guerra a Portugal

No dia 9 de Março de 1916 a Alemanha declarou guerra a Portugal. A decisão de Berlim surgiu na sequência do apresamento dos seus navios que, desde o início do conflito, estavam refugiados no Tejo.

Lisboa fervilhava de rumores desde o dia 23 de fevereiro quando a flotilha liderada pelo capitão-de-mar-e-guerra Leote do Rego se apossou dos navios mercantes alemães e os entregou a uma comissão administrativa, sendo retirados da alçada militar.

Cinco dias depois do apresamento dizia-se que Berlim tinha enviado a Lisboa uma carta enérgica em que exigia que a bandeira alemã fosse hasteada de novo nos navios e as suas tripulações – alemãs, austro-húngaras e chinesas – reenviadas para os seus postos. O Governo negava.

João Chagas, ministro de Portugal em Paris, descrevia no seu diário dia 1 de março, a reação alemã conforme foi informado “pelo Negreiros”: “A Alemanha ameaça tirar-nos não sei se as orelhas se a independência”, refere.

Ao mesmo tempo, a comunidade alemã movimentava-se e muitos, incluindo os mais abastados, levantavam as economias e preparavam-se para partir logo que possível, para Espanha, país que se mantinha neutral. No Porto, o representante do Império austro-húngaro terá dito aos alemães para se porem a salvo.

Dizia-se ainda que o ministro alemão em Portugal, o sr Rosen, tinha mandado indagar da possibilidade de constituir um comboio especial para Madrid, para o levar a ele, aos membros da legação alemã e a outros cidadãos da mesma nacionalidade. Outros rumores asseguravam que o ministro alemão já tinha deixado Lisboa e seguia para Madrid pela Beira Alta.

O representante alemão era seguido por jornalistas que lhe espiolhavam cada passo, à espreita de novidades. A imprensa refere dia 9 que as luzes estiveram acesas até de madrugada na legação alemã, na Rua do Século, e a Capital especulava se o sr Rosen não teria estado a queimar papéis.

Também dia 9, nas últimas notícias, os jornais dão conta de novas movimentações. O Século admitia o rompimento relações entre os dois países, baseando-se no êxodo dos alemães e em notícias que circulavam no estrangeiro. Passou mais despercebido o pedido do sr Rosen ao ministro Augusto Soares, para ser recebido em audiência no próprio dia, durante a tarde. O ministro “fixou as 18 horas” e o Sr Rosen cumpriu escrupulosamente o horário. A reunião não durou mais de 20 minutos.

A novidade surge ainda na secção das últimas notícias de “A Capital”, que já faz parangonas com a notícia da convocação do Parlamento, das movimentações políticas que marcaram o dia 9, que “O Século” também refere mas numa nota mais breve. O jornal revela os pormenores da visita: O sr. Rosen “vestia de preto, sobrecasaca e chapéu alto”, tendo “sido introduzido pelo secretário do ministro, o sr Eugénio Tavares”.

Dia 10 amanhece com todo o país avisado de que a Alemanha declarou guerra e que o Congresso da República deverá reunir durante a tarde, de emergência. O decreto a convocar o plenário foi assinado na véspera pelo Presidente Bernardino Machado, garante “O Século”, numa edição que esgota rapidamente e que notícia também que o êxodo alemão se intensificara nos dois comboios que tinham saído nesse dia. O embaixador alemão, a esposa e membros da legação partem nessa noite, num comboio especial fretado dias antes.

Muitos, contudo, recusam-se partir.

Politicamente, intensificam-se rumores da formação de um governo de união dos principais partidos republicanos, que passará à história como “A União Sagrada”, incluindo o líder do partido Evolucionista, António José de Almeida, o chefe do partido democrático, Afonso Costa, que permanecerá primeiro-ministro, e Brito Camacho, chefe do partido unionista.

Depressa se junta uma multidão dentro e fora do edifício da Assembleia. Os parlamentares abrem caminho à cotovelada para entrarem na sala. A sala dos deputados está “repleta de congressistas”, muitos deles chamados por telegrama. Na galeria do corpo diplomático vêem-se os ministros de Inglaterra e de França, – ambos ovacionados à chegada ao hemiciclo. Presentes igualmente os representantes da Bélgica, da Rússia, da Venezuela, de Cuba, do Uruguai e de Itália.

A sessão parlamentar inicia-se com meia hora de atraso e em tom de confusão geral que incluem desacatos entre os que pretendem ter acesso às galerias. Até a seção reservada às senhoras é invadida. Os únicos com espaço para se sentar confortavelmente são o Presidente da República, – Bernardino Machado, que assiste de camarote -, os deputados e senadores.

Todos os jornais descrevem minuciosamente o que se passa nessa tarde. As reações das galerias à carta alemã entregue no dia anterior ao ministro Augusto Soares, aos discursos dos líderes e à decisão de recomendar ao Presidente a formação de um ministério nacional, a que todos os partidos aderem.

No dia seguinte Afonso Costa apresentará a demissão, ficando a cumprir as funções interinamente até ser nomeado um novo chefe de governo. A questão não é fácil e vários nomes convidados declinam a honra. Entre eles Augusto José da Cunha, Brancaamp Freire e Guerra Junqueiro.

Tal como na altura do apresamento, os jornais estrangeiros aplaudem a entrada de Portugal na guerra. Mas a forma como esta se irá concretizar está ainda por decidir e Portugal limita-se a reforçar a vigilância das barras do Tejo e do Douro.

Pode ler este postal na íntegra AQUI.

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Ficha Técnica

  • Título: Postal da Grande Guerra - A Alemanha declara guerra a Portugal
  • Tipologia: Programa
  • Autoria: Graça Andrade Ramos
  • Produção: RTP
  • Ano: 2016