“As Palavras Interditas”, de Eugénio de Andrade

A musicalidade, a leveza das palavras marcam a poesia de Eugénio de Andrade, praticada no rigor absoluto do exercício da escrita. Poeta aclamado desde o primeiro livro, "As Mãos e os Frutos", de 1948, está neste episódio do programa "Um Poema por Semana" com "As Palavras Interditas", dito pela atriz Margarida Carvalho.

As Palavras Interditas

Os Navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
Partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram-se nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade in As Palavras Interditas

 

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Ficha Técnica

  • Título: Um Poema Por Semana
  • Tipologia: Programa de Poesia
  • Autoria: Paula Moura Pinheiro
  • Produção: RTP
  • Ano: 2011