“Há-de flutuar uma Cidade”, de Al Berto

Neste episódio do programa "Voz" escutamos o poema de Al Berto dito pela atriz Maria João Luís. Um encontro com a poesia para ver, ouvir e ler aqui.

“Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida”

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu…como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos… sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca do mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração, mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas de que alguma vez me visite a felicidade

Al Berto

Temas

Ficha Técnica

  • Título: "Voz"
  • Tipologia: Programa de Poesia
  • Autoria: Produções Fictícias
  • Produção: até ao Fim do Mundo
  • Ano: 2005