Álvaro de Campos: “Ode Marítima”
A 13 de junho teremos sempre o aniversário do senhor Pessoa para celebrar. Com os seus amigos mais íntimos, companheiros inventados que juntaram milhares de palavras às que escrevia em nome próprio. Cada poema de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis é mais um fragmento do eu genial que foi Fernando Pessoa. Nos 120 anos do nascimento do maior poeta do século XX português fez-se este encontro com a sua poesia simples, complexa, singular. Escolheram-se vozes diferentes para as Pessoas de Pessoa. Aqui está Lídia Jorge a dizer excertos de "Ode Marítima".
ODE MARÍTIMA
(Excertos)
(…)
Ó meus peludos e rudes heróis da aventura e do crime!
Minhas marítimas feras, maridos da minha imaginação!
Amantes casuais da obliquidade das minhas sensações!
Queria ser Aquela que vos esperasse nos portos,
A vós, odiados amados do seu sangue de pirata nos sonhos!
Porque ela teria convosco, mas só em espírito, raivado
Sobre os cadáveres nus das vítimas que fazeis no mar!
Porque ela teria acompanhado vosso crime, e na orgia oceânica
Seu espírito de bruxa dançaria invisível em volta dos gestos
Dos vossos corpos, dos vossos cutelos, das vossas mãos estranguladoras!
(…)
Ah, torturai-me para me curardes!
Minha carne — fazei dela o ar que os vossos cutelos atravessam
Antes de caírem sobre as cabeças e os ombros!
Minhas veias sejam os fatos que as facas trespassam!
Minha imaginação o corpo das mulheres que violais!
Minha inteligência o convés onde estais de pé matando!
Minha vida toda, no seu conjunto nervoso, histérico, absurdo,
O grande organismo de que cada acto de pirataria que se cometeu
Fosse uma célula consciente — e todo eu turbilhonasse
Como uma imensa podridão ondeando, e fosse aquilo tudo!
Poesias dos Outros Eus. Álvaro de Campos.
Temas
Ficha Técnica
- Título: Pessoa, Pessoas
- Tipologia: Programa de Poesia
- Autoria: Inês Pedrosa
- Produção: Casa Fernando Pessoa
- Ano: 2008