As Trovas do Bandarra
Não era esperado que um sapateiro soubesse ler e escrever no século XVI. Mais raro ainda era ser o autor de trovas interpretadas como profecias, que ficaram para a posteridade. Gonçalo Anes, o Bandarra, foi venerado pelo povo e acusado pelo Santo Ofício. O que dele sabemos vem no processo inquisitorial que lhe confiscou os textos e o condenou a nunca mais escrever sobre assuntos sagrados. Mas a censura não impediu os seus versos de guiar causas e inspirar alguns dos maiores criadores da Língua Portuguesa.
Sapateiro de profissão em Trancoso, Gonçalo Anes, o Bandarra, de alcunha, tornou-se no poeta das Trovas que causaram alvoroço no século XVI. Os versos enigmáticos que muitos acreditavam ser profecias, eram já um caso de sucesso em Lisboa quando o seu autor entrou na mira da Inquisição. Foi preso e interrogado, no entanto o Santo Ofício não encontrou vestígios de judaísmo nas rimas simples e condenou-o a sentença ligeira por causa das referências aos livros sagrados.
É certo que escapou à fogueira, mas “teve de se remeter ao silêncio”, ficando impedido de ler ou escrever sobre o Antigo Testamento e ainda obrigado “a dizer publicamente como é que as Trovas deviam ser entendidas”. Apesar de incluídos no Catálogo dos Livros Proibidos, os textos sobreviveram à censura e o talento do Bandarra para adivinhar o futuro da História ganhou fama nacional.
Ao longo dos tempos ajustaram-se as Trovas a diferentes causas e interesses, a convicções e esperanças. Sucessivas edições manuscritas e clandestinas, deram alento ao mito sebastianista, serviram a Restauração, “tiveram um impacto difícil de imaginar”, salienta Isabel Almeida, professora de literatura, neste episódio do programa Visita Guiada. Nos seus versos, houve uma ideia original a inspirar dois dos mais ilustres pensadores e criadores da Língua Portuguesa, a ideia de um Portugal, reino universal, que Padre António Vieira e Fernando Pessoa projetaram como a Utopia do Quinto Império.
Profeta messiânico, visionário ou, simplesmente, um homem capaz de adivinhar os sonhos dos portugueses? Fernando Pessoa descreve-o assim, na Mensagem:
Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo.
Não foi nem santo nem herói,
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Não português mas Portugal.
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Ficha Técnica
- Título: Visita Guiada - A Trancoso do Bandarra
- Tipologia: Programa Cultural
- Autoria: Paula Moura Pinheiro
- Produção: RTP
- Ano: 2017