Bernardo Santareno, a voz do teatro que a censura proibiu

Escrevia como um homem livre no país que o amordaçava. Bernardo Santareno usava as palavras para resistir, denunciar, para afirmar-se como dramaturgo original, sem medo de levar para o palco temas que a ditadura considerava impróprios. Ficou no centro das atenções do público e da censura, que o perseguiu, cortou e proibiu. A voz que deixou no teatro é uma das mais importantes do século XX português.

Antes de de ser reconhecido como autor de textos dramáticos talentosos e insubmissos, antes da censura o perseguir e proibir, Bernardo Santareno era apenas António Martinho do Rosário, médico psiquiatra, nascido a 19 de novembro de 1920, em Santarém. Este nome, porém, não era totalmente desconhecido da PIDE, que mantinha vigiadas as suas ligações à Juventude Universitária Católica e ao Centro de Democracia Cristã. Nada seria provado destes envolvimentos políticos, das críticas que fazia e ficavam registadas nos relatórios.

Só mais tarde, a partir de 1957, quando se estreou na dramaturgia, já depois de publicar três livros de poemas, voltou a chamar a atenção da polícia secreta do Estado Novo. Nas peças de Bernardo Santareno encontravam conteúdos subversivos, perigosos; muitas obras, como “António Marinheiro” (1961), “O Pecado de João Agonia” (1961) ou “Anunciação”(1962), nem chegaram a ser representadas. Retiravam-lhe palco e público, mas o autor censurado continuava a denunciar a realidade do país de forma trágica, vigorosa, intensa e criativa.

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São exemplares os textos inspirados nas experiências recolhidas a bordo da frota bacalhoeira portuguesa, onde viajou enquanto médico ao lado de marinheiros e conheceu as condições precárias em que estes trabalhavam. No seu teatro, o povo terá sempre um papel especial, quer seja para relatar histórias “Nos Mares do Fim do Mundo” ou os dramas da reforma agrária no período revolucionário, peça que voltou a ser encenada no século XXI, cem anos depois do nascimento do autor, Santareno de Santarém. Porque muito do que ele escreveu, sublinha a encenadora Marta Lapa na reportagem, não perdeu – não perde – atualidade.

Depois da revolução de Abril, as peças de Bernardo Santareno nunca mais foram proibidas, mas o autor que quase desistira de escrever, assumia no primeiro texto inédito a ser representado logo após o fim da ditadura, o desespero e amargura acumulados ao fim dos longos anos em que o tentaram sufocar. Desabafava: “Sou português, escritor e tenho quarenta e cinco anos de idade e… estou farto, cansado, já não acredito em nada,. Estou desesperado, a vida dói-me horrivelmente. Perdi tudo (…) . Esperança, progresso, luta , futuro, beleza, camaradagem, povo, juventude…São papéis rasgados para mim.” O texto autobiográfico viria a marcar uma era de liberdade.

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Ficha Técnica

  • Título: Nada Será Como Dante
  • Tipologia: Extrato de Magazine Cultural - Reportagem
  • Produção: até ao Fim do Mundo
  • Ano: 2020