Gil Vicente

A farsa de Inês Pereira

De um provérbio fez Gil Vicente um clássico da literatura. O poeta e dramaturgo era caso único no início do século XVI. Autor de obra tão extensa e apreciada na corte, que muitos o fizeram suspeito de furtar o trabalho a outros seus contemporâneos. Para provar o talento que tinha, escreveu a "Farsa de Inês Pereira", uma jovem dividida entre o asno e o cavalo que serviram de mote à história principal. Aqui mostramos excertos da peça.

Em 1523 escreveu Gil Vicente esta «farsa de folgar» para se defender das acusações de plágio lançadas por «certos homens de bom saber». A “Farsa de Inês Pereira”, representada pela primeira vez para D. João III, desfez dúvidas sobre o talento e a originalidade de um dos principais dramaturgos do seu tempo, tido como o fundador do teatro português.

E tão bem serviu a história o propósito de provar o génio do autor que, cinco séculos depois, continua a ser considerada uma das mais divertidas sátiras vicentinas. As aventuras e desventuras da jovem casadoira, representadas entre redondilhas, metáforas, ironias e trocadilhos, mais não são do que uma forte crítica aos costumes domésticos e à mentalidade medieval que dominava a sociedade quinhentista nas primeiras décadas do século XVI.

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Toda a peça gira à volta desta personagem principal, presente em todos os momentos da intriga, determinada em fazer um casamento que a salve de «ficar encerrada em casa, como panela sem asa». Apesar de desobedecer à vontade da mãe e de desafiar as regras da sociedade, Inês renega o papel de fada do lar e toma a iniciativa de escolher o príncipe perfeito para uma vida que deseja feliz e «folgada». Quer marido com «virtudes palacianas», culto e educado, a saber «tanger viola».

Entra em cena a alcoviteira Lianor Vaz, figura típica da época, com a proposta de Pêro Marques, um camponês sem elegância nem cultura. Apesar de honesto e abastado o suficiente para lhe garantir o sustento, é recusado sem demora por não preencher as fantasias da adolescente.

Segue-se o pretendente Brás da Mata, levado por dois judeus casamenteiros a quem tinha Inês encomendado a tarefa de lhe encontrarem homem inteligente e discreto. O elegante escudeiro, um nobre falido, finge ser quem não é para caçar o dote da burguesa. Conquistada pelas aparências, aceita o fanfarrão.

Tarde demais descobre Inês no marido, um impostor, que a tem em «casa tão fechada como freira d’ Odivelas». Três meses fica em cativeiro até o cobarde ser morto ao fugir de uma batalha em África. Liberta do pesadelo e das ingénuas ilusões, a viúva vê em Pêro Marques o par que lhe convém a nova experiência matrimonial, que possa ela dominar em vez de ser a dominada.

Prova-se escolha acertada quando, no último ato da farsa, a heroína vicentina aparece às cavalitas do tosco marido que, sem suspeitar de nada, a leva ao encontro do novo amante, um velho ermitão. «Pois assi se fazem as cousas», canta ele alegre o último refrão da história de Inês Pereira, inspirada no ditado «mais quero asno que me carregue, que cavalo que me derrube».

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Representada dezenas de vezes, aqui ficam excertos de uma versão da peça encenada por Sílvia Brito e levada à cena pela companhia de teatro Escola da Noite, em 1994. A cenografia é de João Mendes Ribeiro e as interpretações de Alexandra Rosa, António Jorge, Carlos Sousa, José Vaz Simão, Miguel Amado, Miguel Santos Rosário Romão e Sofia Lobo.

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Magazine de Teatro - Farsa de Inês Pereira
  • Tipologia: Extrato de Magazine de Teatro
  • Produção: RTP
  • Ano: 1994