Símbolos heráldicos: das batalhas medievais aos jogos de futebol

Heráldica é palavra que vem de outros tempos históricos, conotada com a nobreza e a pompa dos brasões. Mas será redutor dizer que a ciência principiada no século XII pertence apenas ao passado. Este sistema de comunicação visual que primeiro identificou cavaleiros nas batalhas, foi código emblemático da monarquia e do clero, continuou a ser usado depois na República. E - pasme-se!- até o futebol foi buscar inspiração à simbologia medieval.

A heráldica entrou nos campos de batalha para salvar guerreiros de morrer às mãos dos compatriotas. O perigo estava no equipamento que protegia os órgãos vitais, mas deixava os soldados expostos aos golpes de qualquer espada. Cobertos quase por completo com armaduras e elmos, seria muito difícil a centenas ou milhares de homens no calor dos confrontos saber se o adversário que tinham pela frente era amigo ou inimigo.

Embora houvesse já registo de representações muito antigas, a tradição dos brasões iria começar nos escudos militares, que em meados do século XII, passaram a desempenhar outro papel para os cavaleiros medievais. Pintados com cores elementares e decorados com armas, membros do reino animal, natural, mitológico ou desenhos geométricos, tinham o propósito de identificar quem estava a lutar na guerra ou nos torneios. Porém, os símbolos tinham que ser lidos rapidamente no meio da turba, por quem não sabia ler nem escrever. Impunha-se criar emblemas muito simples, e essa regra foi a chave do sucesso do código heráldico.

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O uso fez-se costume na Europa, e as armas estilizadas que coloriam os escudos dos combates, passaram a ser cobiçadas na sociedade portuguesa pelos mesmos motivos. Famílias, casas senhoriais, instituições, ou apenas indivíduos, pretendiam ser identificados por esse sinal diferenciador, que deles projetava uma imagem – verdadeira ou falsa – sobre a sua condição, estatuto e origem social. A prática expandiu-se durante o regime feudal, que sustentado nas ligações de vassalagem, tanto concedia insígnias ao ilustre nobre de vetustas linhagem, como ao aspirante a fidalgo. A heráldica banalizou-se e perdeu força.

Brasões, poder e bola

Na dinastia de Avis travaram-se alguns abusos na cultura do brasão. Contudo, seria a partir do século XV que as características simples desta arte secular mais transformações sofreriam na forma e no propósito, ganhando, sobretudo, uma forte carga política. Mas as grandes reformas das práticas heráldicas vão ser feitas por D. Manuel I que, ao criar um Regimento (ou regulamento), chama a si o poder de atribuir estas honrarias, dando finalmente à realeza e à nobreza um clube exclusivo que só ele, o rei, dominava. Deixou o Venturoso uma encenação estética e decorativa desta centralização do poder régio na singular Sala dos Brasões, com relevante simbologia a ser traduzida por Miguel Metelo Seixas na visita que fazemos aqui ao Palácio da Vila de Sintra.

Existe hoje, porém, uma ligação direta aos primórdios do imaginário medieval que dispensa qualquer prova nobiliárquica. As águias, os leões e os dragões dos campos de batalha são agora venerados nos campos de futebol. Velhos símbolos inspirados nos épicos romances de cavalaria, adaptados aos tempos modernos e a novas histórias. No jogo da bola ou nas aventuras de Harry Potter, os sinais continuam bem presentes, explica o especialista em Heráldica, ciência auxiliar da História. Resta decifrá-los.

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Ficha Técnica

  • Título: Visita Guiada - Palácio Nacional de Sintra
  • Tipologia: Extrato de Programa Cultural
  • Autoria: Paula Moura Pinheiro
  • Produção: RTP
  • Ano: 2017