A aventura artística de Júlio Pomar
Vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros por 100 mil réis. Tinha 20 anos e já conquistara o estatuto de artista. Sete décadas depois, Júlio Pomar continuava com o vício da pintura. Mas a sua produção era mais extensa: desenhador, escultor e escritor também. Porque nele vivia o apelo de criar.
A sua pintura está em movimento constante, como a paisagem que via da janela da casa que habitava às Janelas Verdes, em Lisboa: burros, cavalos, a faina no porto, o Tejo ao fundo; paisagem em transformação. Júlio Pomar não se fixa em correntes, antes viaja por elas, como um menino à procura de um tesouro. Tinha sete anos quando o puseram a desenhar gesso. Ficaram-lhe os sentidos despertos na pulsão biológica de querer ser pintor.
A obsessão por desenhar levou-o à Escola António Arroio. Depois foram dois anos na Escola de Belas-Artes, em Lisboa e no Porto; da primeira saiu porque “não se aprendia grande coisa”, da segunda, foi expulso por participar nas lutas estudantis.
Por essa altura é já artista militante, com assumidas atividades políticas que visavam derrubar o fascismo. Foi um dos fundadores do MUD, Movimento de Unidade Democrática. Vítima de censura, é preso pela Pide antes de completar a primeira encomenda, o mural do Cinema Batalha. Em Caxias partilha cela com o líder do partido socialista português. Aí mesmo faz o primeiro retrato de Mário Soares. O segundo, quando Soares já é Presidente da República, causará polémica por romper com a pose de estadista.
Em Paris, no centro do mundo
O jovem tímido que vendera o primeiro quadro a Almada Negreiros por 100 mil réis – no tempo em que um café custava 8 tostões ! – iria mudar-se para Paris, em 1963 para “alargar horizontes, conviver com outros artistas e outros movimentos”. Foi ver a “matéria ao vivo” que em Portugal só conhecia dos livros e das reproduções.
A capital francesa fica a sua segunda cidade: passará a dividir o tempo entre Paris e Lisboa, a terra onde nasceu em 1926 e e à qual só volta após o 25 de Abril.
Ao longo de mais de seis décadas de carreira, Pomar, que confessa ter pouca imaginação, percorre várias estéticas da pintura: no neorealismo, deixa obras significativas como “Almoço do Trolha” e “O Gadanheiro”. Recebe influências do expressionismo e do abstracionismo. Faz colagens, desenhos, gravuras, assemblage (colagens com objetos), esculturas, cerâmicas, tapeçarias. Admira Cézanne, Matisse, Picasso, Goya, Velásquez e os muralistas mexicanos. A sua obra está marcada por ciclos e inspirações de temáticas específicas: Maio de 68, D. Quixote, tauromaquia, corridas de cavalos, os índios Xingu do Brasil, a série dos tigres e a dos fadistas.
Júlio Pomar (1926-2018), um dos artistas mais conceituados do século XX português, distinguido com numeroso prémios, com obra devidamente apreciada em incontáveis exposições, teve sempre a necessidade de “recorrer às palavras” e de estar perto delas. Não só acompanhou a literatura com ilustrações, como fez obra poética e letras de fados, muitos já musicados. A necessidade de estar sempre a criar.
Ficha Técnica
- Título: Grandes Quadros Portugueses
- Tipologia: Extrato de Programa
- Produção: Companhia de Ideias
- Ano: 2012