“O Amor bate na aorta”, de Carlos Drummond de Andrade

Poeta do modernismo brasileiro, Carlos Drummond de Andrade praticava uma poesia livre, cheia de quotidianos, ironias e sentimentos sem sentimentalismos. Um poema seu, "O amor bate na aorta", faz este episódio do programa "Voz". A leitura de "O amor bate na aorta" é da atriz brasileira Sílvia Pfeifer. Para ver, ouvir e ler, aqui.

O amor bate na aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Enre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruido.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca,
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…

Carlos Drummond de Andrade

“Minibiografia”, de Luiza Neto Jorge
Veja Também

“Minibiografia”, de Luiza Neto Jorge

Temas

Ficha Técnica

  • Título: "Voz"
  • Tipologia: Programa de Poesia
  • Autoria: Produções Fictícias
  • Produção: até ao Fim do Mundo
  • Ano: 2005