Das reformas de Mouzinho da Silveira à estabilização do liberalismo
Após a guerra civil, a legislação de Mouzinho da Silveira de 1832/1834 destruiu as estruturas sociais, políticas e económicas do Antigo Regime. O setembrismo e o cabralismo promoveram também uma série de reformas económicas. No plano político, continuaram as divergências entre os liberais que conduziram a revoltas populares como a Maria da Fonte em 1846 e uma nova guerra civil, a da Patuleia, entre 1846 e 1847. A pacificação política só haveria de chegar em 1851.
Após o fim da guerra civil, em 1834, o país enfrentava uma enorme crise económica e financeira e era necessário restaurar a paz política e construir um Portugal novo.
Neste contexto, ganhou especial relevo a obra legislativa de Mouzinho da Silveira. As suas principais realizações foram destinadas a desmantelar as estruturas sociais, económicas e políticas do Antigo Regime. Mouzinho pretendeu assegurar a liberdade económica, libertando o país dos elevados impostos do Antigo Regime, liberalizar a economia para compensar a perda do comércio brasileiro, reativar a atividade agrícola através da livre troca de propriedades e dotar o país de uma administração pública e judicial moderna.
Estas reformas impulsionariam a produção agrícola; a livre circulação de bens e capitais; aumento da produção de matérias-primas e o desenvolvimento industrial. Nesta lógica, Mouzinho, suprimiu os morgadios mais pequenos; aboliu as portagens e impostos como a sisa ou o dízimo eclesiástico; extinguiu os forais e nacionalizou os bens da coroa.
A evolução política após a guerra civil foi muito conturbada. Entre 1834 e 1836 os cartistas estiveram no poder, mas em 1836 a esquerda vintista alcançou o governo através da Revolução de Setembro. A esquerda liberal passou a chamar-se setembrista. Os setembristas apresentaram o seu projeto que passava por reformas económicas e políticas.
Em relação às económicas o objetivo era iniciar a industrialização do país. Apostou-se em medidas protecionistas na indústria e na agricultura para estimular a produção interna e diminuir a dependência face aos produtos ingleses. O império ganhou uma nova dimensão, nomeadamente África, tentando reeditar o fluxo comercial e populacional que existiu com o Brasil no século XVIII. Em 1836 proibiu-se o tráfico de escravos a sul do equador. A educação foi outra aposta com a criação dos liceus, para formar cidadãos que pudessem intervir politicamente e desenvolver competências técnicas para a inserção no mercado de trabalho.
No campo político os setembristas pretenderam regressar à pureza do vintismo, repondo em vigor a Constituição de 1822 até à elaboração de uma nova constituição, reformar o regime liberal tornando-o mais democrático, alargando o corpo eleitoral e promover a descentralização administrativa.
A constituição de 1838 tentou equilibrar o poder democrático da constituição de 1822 e o poder monárquico da Carta de 1826. As eleições passaram a ser diretas, mas mantinha-se o sufrágio censitário; continuaram a existir duas câmaras, mas o Senado que substitui a Câmara dos Pares passou a ser eleito e o rei perdia o poder moderador.
Porém, a agitação política continuou a fazer-se sentir. Em 1842, através de um golpe de estado, Costa Cabral repôs em vigor a Carta Constitucional. Novas reformas foram introduzidas pelo cabralismo. No campo económico, a reforma fiscal para financiar os melhoramentos materiais, a aposta na indústria e agricultura com medidas protecionistas, o lançamento de obras públicas e a tentativa de introduzir o sistema métrico decimal, uniformizando pesos e medidas para unificar o mercado nacional e facilitar o comércio.
A par de todas estas medidas, instituíram-se as leis de saúde pública que passavam pela obrigatoriedade de enterros nos cemitérios e a passagem de certidões de enterramento pelas autoridades sanitárias, desviando as entidades religiosas destas tarefas.
No campo político reintroduziu-se a Carta Constitucional sem qualquer alteração o que significou o reforço do poder real, o combate aos adversários políticos, principalmente à esquerda radical e a centralização do poder com um novo código administrativo, controlando as câmaras municipais e as eleições.
Todas estas medidas foram contestadas. O aumento dos impostos foi recebido com protestos por parte dos proprietários e lavradores que não viam justiça na sua repartição. A afirmação do Estado foi profundamente rejeitada, os povos não queriam ser controlados por um Estado que se intrometia no dia a dia impondo novas práticas.
Dentro deste quadro, foi com naturalidade que rebentou a revolta da Maria da Fonte entre abril e junho de 1846 que levou à saída de Costa Cabral do governo. No entanto, a estabilidade política não chegava já que a família liberal não se entendia e a esquerda, que queria a reforma da Carta, e a direita, mais conservadora e tradicionalista, enfrentaram-se na guerra civil da Patuleia de outubro de 1846 a junho de 1847.
Só o golpe de estado da Regeneração em maio de 1851 trouxe alguma pacificação política e finalmente o país pode apostar nos melhoramentos materiais.
Síntese:
- A legislação de Mouzinho da Silveira desmantelou as estruturas económicas e sociais do Antigo Regime e lançou as bases do Portugal novo.
- A família liberal estava dividida, setembristas e cabralistas têm projetos políticos e económicos diferenciados.
- As divergências entre os liberais levaram a situações de conflito político violento: a Maria da Fonte e a guerra civil da Patuleia.
Ficha Técnica
- Área Pedagógica: O novo ordenamento político e socioeconómico (1834-1851): importância da legislação de Mouzinho da Silveira e dos projetos setembrista e cabralista.
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Associação dos Professores de História/Nuno Pousinho
- Ano: 2021
- Imagem: Mouzinho da Silveira, Duque de Palmela, Duque de Saldanha e José da Silva Carvalho (1926), detalhe de quadro de Columbano Bordalo Pinheiro