Biombos Namban, retratos dos portugueses no Japão
Quando os portugueses chegaram a Nagasáqui foi uma aparição para os japoneses. Um outro mundo estava a desembarcar naquele porto. Apesar da desconfiança, todos queriam ver os homens narigudos, com costumes tão diferentes dos seus. Chamaram-lhes namban jin e os pintores fizeram dos marinheiros, dos comerciantes e dos missionários, figuras principais dos seus biombos, uma espécie de "banda desenhada de luxo" a documentar este encontro de culturas, uma história com mais de quatro séculos.
Os navegadores portugueses vinham do outro lado do mundo, num barco negro carregado de mercadorias, coisas nunca antes vistas na pequena aldeia de pescadores do extremo oriente. Traziam vinhos e queijos da Europa, animais raros, sedas e lacas da China, porcelanas, especiarias; todos os produtos e objetos valiosos transacionados nos portos onde faziam escala, ao longo da demorada viagem que ligava Goa e Macau a Nagasáqui. Aqui chegados, em 1543, os japoneses chamaram-lhes bárbaros do sul, mas a presença destes estrangeiros sem maneiras, fascinava e influenciava aquele povo. O encontro destas duas civilizações, que em nada se assemelhavam, ficou para sempre gravado em fundos dourados, papel e seda, em biombos de grandes dimensões. Serviam para decorar, hoje são contemplados como se se tratassem de documentos históricos. A narrativa é minuciosa e aqui reside a sua maior riqueza. Começamos pelos preparativos do embarque, com o selo do pintor Kano Naizen.
Os desembarques resultavam em espetáculos exóticos e insólitos, observados com espanto e curiosidade. Os japoneses acorriam para ver o cortejo dos homens estranhos, de nariz comprido, vestidos com casacos gibão e calças “bombachas”, largas e armadas. Nada escapava ao olhar atento do pintor: dos óculos do padre ao pequeno apito do capitão-mor, os detalhes revelavam a importância dos ocidentais para esta civilização milenar. Porque não era apenas o comércio que prosperava, mas também o diálogo de duas culturas que se fortalecia. Os trajes esquisitos foram copiados e até estes biombos, encomendas de senhores feudais, eram uma espécie de peças da moda namban jin, explica a historiadora Maria da Conceição Borges de Sousa, nesta visita ao museu de Arte Antiga.
A comitiva portuguesa com a sua tripulação multiétnica permanecia entre dois a seis meses em Nagasáqui, porém, os jesuítas, aqui identificados com capas negras compridas, levaram mais longe no território o seu trabalho de missionação. Mais tarde, foram brutalmente perseguidos e, em 1640, os portugueses acabaram por ser expulsos do reino onde tinham aportado com oferendas valiosas, como o arcabus, que contribuiu para a unificação do Japão no século XVII. No entanto, deste longo contacto, houve influências que permaneceram visíveis, quer na língua, na gastronomia, quer na religião e em muitos outros hábitos que depressa se enraizaram. A palavra biombo, por exemplo, foi importada do japonês byobu e o nosso botão, ficou botan. A fonética não engana nestas e noutras expressões que a historiadora Alexandra Curvelo recupera desta história comum, que durou mais de cem anos. Para começar, lançamos a pergunta: o que significa namban jin?
Da partida do barco negro à chegada a Nagasáqui, estes biombos raros de Kano Naizen e Kano Domi são um testemunho da presença portuguesa no Japão e das relações que, a partir de 1543, se estabeleceram entre duas civilizações. Fazem parte da coleção do Museu Nacional de Arte Antiga, contemplá-los de perto é como avistar os protagonistas desta história pela primeira vez. E viajar até à idade de ouro da expansão marítima.
Ficha Técnica
- Título: Visita Guiada - Biombos Namban
- Tipologia: Extrato de Programa Cultural
- Autoria: Paula Moura Pinheiro
- Produção: RTP
- Ano: 2015