Francisco de Holanda, artista esquecido do Renascimento

Tudo o que escreveu, desenhou e pintou Francisco de Holanda anuncia a presença de um artista invulgar. As páginas dos preciosos e exuberantes tratados revelam o humanista e, ao mesmo tempo, o vanguardista moldado pela estética da Antiguidade Clássica. Holanda era um intelectual do Renascimento. Teorizou sobre Arte e as virtudes da pintura, produziu o primeiro tratado europeu sobre retrato, registou a paisagem cultural de Roma, representou os dias da Criação do Mundo de forma corajosa e inovadora. Mas, afinal, quem era este português que se relacionava com a elite dos artistas e dos pensadores europeus do século XVI? A resposta começa na oficina do pai.

No princípio eram os planisférios e as iluminuras do pai o centro da atenção. Observava-o a trabalhar, quis a seguir imitá-lo, aprender aquele fascinante ofício de iluminador que António de Holanda – o apelido deve-se à sua origem nos Países Baixos -, dominava com perfeição. Da importância destes anos iniciáticos teremos eco no futuro, no traço preciso dos desenhos e nos argumentos que Francisco de Holanda utilizará a reclamar um lugar especial para a iluminura, arte que considerava “soprada por Deus”.

Embora tenha nascido em Lisboa, provavelmente em 1517, não será na capital do reino que o jovem Holanda fará a formação artística e intelectual, mas, sim, na vila de Évora, para onde D. João III decidira transferir a corte após o terrível terramoto de 1531. Aqui o temos a frequentar o paço real, a ser moço de câmara de D. Afonso, a beneficiar da proteção da rainha D. Catarina. Recebe a melhor educação “ao lado dos infantes” na escola criada por mestre André de Resende, humanista erudito que estudara nas principais universidades europeias. O frade dominicano apercebe-se das capacidades extraordinárias do aluno e prepara-o para fazer uma viagem a Roma, onde irá procurar vestígios da Antiguidade Clássica, paixão que ambos partilham.

Vão ser dois anos intensos em Itália, a conviver com os grandes intelectuais do Renascimento europeu e a conhecer os maiores artistas do século XVI. Francisco de Holanda é ali testemunha privilegiada do seu tempo, dos mestres do presente e dos mestres do passado, da arte italiana que se está a produzir e da que se produziu no Mundo Antigo que tanto admira.

Da arquitetura à moda copia tudo que considera importante em desenhos perfeitos e detalhados, reunidos no Livro das Antigualhas, um valioso instrumento de estudo. Desta viagem ficou um outro registo, desta vez em palavras, os “Diálogos em Roma”, obra consagrada aos momentos passados com Miguel Ângelo, para ele o pintor perfeito.

Em 1540 regressa a Lisboa para o “período dourado da sua vida”. Francisco de Holanda é agora escudeiro fidalgo de D. João III, “homem de corte e cortesão”, artista reconhecido e intelectual escutado. Está no auge da criatividade quando produz o “Tratado da Pintura Antiga”, a primeira grande obra escrita que serviu para introduzir “o neoplatonismo na teoria da Arte” e trazer à pintura argumentos que a valorizassem enquanto trabalho intelectual. Algumas destas ideias vão ser recuperadas pelos italianos 50 anos depois.

Segue-se “Do Tirar Polo Natural” , primeiro tratado europeu sobre o retrato e, em 1545 começa a trabalhar naquela que é a obra maior, uma crónica da Criação do Mundo em imagens. Nestes desenhos e pinturas desconcertantes, Holanda é ainda mais íntimo e original, “imita-se a si mesmo”, ou seja, torna visível o seu pensamento e tem “a audácia de propor algo completamente diferente”. O Livro que a nada se assemelhava, só ficará concluído pouco antes de morrer, em 1584.

Diante deste Livro contemplamos por inteiro o artista e o intelectual que Francisco de Holanda foi. Nos 35 anos que levou a criá-lo, perdeu protagonismo e passou a temer a Inquisição. A morte de D. João III, o seu grande patrono, afastou-o da corte e a mão censória da Santa Sé corrigiu diligentemente as posições vanguardistas do tratado “Da Ciência do Desenho”. Em 1571 produz “Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa”, ensaio sobre urbanismo que dedica a D. Sebastião. Pretende chamar a atenção do rei, mas o sucesso do génio do Renascimento português parecia ter chegado ao fim. Nessa altura, Francisco de Holanda já não seria um homem do seu tempo. A vibrante obra pictórica e teórica continuará sempre a dar-lhe um lugar único na História de Arte.

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Ficha Técnica

  • Título: Francisco de Holanda - A Luz Esquecida do Renascimento
  • Tipologia: Documentário
  • Autoria: Paula Moura Pinheiro
  • Produção: até ao Fim do Mundo
  • Ano: 2019
  • Realização: Inês Rueff