As Neo-vanguardas
Recorre-se usualmente ao termo neo-vanguardas para referir um conjunto de práticas artísticas que se definem na segunda metade do século XX, podendo ainda incluir o Expressionismo Abstrato, e alargando-se a práticas que surgem já claramente após a Segunda Grande Guerra, como o Neo-Dada, a Pop Art, o Noveau Réalisme a Arte Conceptual, o Fluxus ou o Minimalismo. Um traço comum das neo-vanguardas é uma autorreflexividade que problematiza, antes de mais, o que é arte e quais as condições que levam a que qualquer objeto possa ser aceite como tal.
Recorre-se usualmente ao termo neo-vanguardas para referir um conjunto de práticas artísticas que se definem na segunda metade do século XX, podendo ainda incluir o Expressionismo Abstrato. Porém, geralmente é mais associado a práticas que surgem já claramente após a Segunda Grande Guerra, como o Neo-Dada, a Pop Art, o Noveau Réalisme a Arte Conceptual, o Fluxus ou o Minimalismo. No entanto, deve recordar-se que a enumeração é apenas indicativa, uma vez que estas práticas artísticas podem sobrepor-se, integrar-se ou relacionar-se, não correspondendo por isso a divisões estanques capazes de categorizar o conjunto das obras dos autores a que são associadas.
É possível sintetizar as propostas das neo-vanguardas a partir do trabalho de Marcel Duchamp (1887-1968), nomeadamente o anterior à Segunda Grande Guerra, com obras como A Fonte, de 1917, ou Roda de Bicicleta, cuja primeira versão, de 1913, pode ser considerada o primeiro ready made. Assim, há um afastamento em relação ao trabalho do artista como dependendo do ato manual, sustentado pelo modo como é a sua decisão sobre o que apresentar e em que condições que confere um novo significado ao objeto, fazendo a obra de arte proceder antes de mais de um ato intelectual. Neste sentido, está implícito não só um questionamento do que é a arte, mas também de quais as condições que levam a que qualquer objecto possa ser aceite como tal, cuja ironia se pode encontrar em parte no facto de, em última instância, essa condição poder reduzir-se à assinatura.
Se a negação do trabalho gestual, que aliás implicaria uma resposta de parte das neo-vanguardas ao próprio Expressionismo Abstrato, será comum a práticas como a Pop Art, o Minimalismo e parte do Noveau Réalisme, já a discussão em torno do estatuto da arte atravessará todas as propostas elencadas, residindo também aí a autorreflexividade que as perpassa como característica que se associara ao modernismo, vincada num pós-modernismo que se afirma de seguida. Porém, a maneira como esse estatuto e o debate sobre as próprias condições da arte vai ser focado difere entre aquelas práticas artísticas. As associadas ao formalismo de Clement Greenberg (1909-1994), como o Expressionismo Abstrato ou o Minimalismo, exploraram os limites plásticos dos seus meios expressão, sendo que no segundo caso essas fronteiras se encontram já no modo como o objeto é constituído pelo próprio espectador no momento da apreensão da obra.
Por outro lado, a Pop Art ou o Neo-Dada irão criticar precisamente a autorreferencialidade de parte das práticas valorizadas por Greenberg, recorrendo a imagens ou objetos da cultura popular. Juntando-lhes ainda um questionamento radical sobre a formação de significados no seio de uma cultura de massas e de uma vivência do mundo mediada por estes. Por sua vez, uma das questões ligadas à Arte Conceptual e à comunidade Fluxus aborda e critica uma noção de arte que depende exclusivamente do objeto em si.
No caso do Fluxus, através do entendimento da arte como processo, desmontando inclusivamente o nexo entre a apresentação de dada obra e a sua receção passiva pela audiência, de que as performances são um caso evidente. Na Arte Conceptual, tal pode verificar-se na desmaterialização da arte a que se refere Lucy Lippard (1937) num texto de 1967, que visava em parte a fuga à sua cooptação pelas instituições da arte, como galerias ou museus. O que não veio a suceder, como a mesma referirá em 1973 no livro Six Years: The Dematerialization of the Art Object From 1966 to 1972.
Ora, este potencial crítico das neo-vanguardas face às instituições da arte, que se prolonga na forma como estas articulam as relações de poder sentidas no contexto político, económico, social e cultural do tempo, ajuda a situar o centro da discussão em torno da sua definição. Em 1974, em Teoria da Vanguarda, Peter Bürger (1936-2007) vai procurar separar as noções de vanguarda e modernismo, cujo uso corrente fizera confluir, recuperando o propósito de ação sobre o contexto histórico que o termo vanguarda transportara consigo desde a sua origem. Neste sentido, irá apenas considerar o Construtivismo, o Dada e o Surrealismo como vanguardas, cunhando-as enquanto vanguardas históricas.
Referindo-se às práticas artísticas da segunda metade do século XX como neo-vanguardas, desvaloriza-as como repetição das aportações da primeira metade do século, tese que será contestada. Uma das oposições ao posicionamento de Bürger, será exposta por Hal Foster (1955), nomeadamente no livro The Return of the Real, de 1994, onde este historiador da arte criticará não só o modelo histórico proposto pelo crítico alemão – grosso modo, uma autonomização da arte conseguida no século XVIII, uma autorreferencialidade da arte definida no século XIX e o ataque a esta separação da arte do todo da vida no século XX – mas também a maneira como este entende a rutura anunciada pelas vanguardas históricas como estando concluída nesse mesmo momento.
Assim, o historiador norte-americano vai considerar que tanto as vanguardas, como as neo-vanguardas, dificilmente podem ser abarcadas como um todo, ao mesmo tempo que afirma que as segundas, ao invés de anularem a crítica das primeiras, a expandem. Podendo mesmo defender-se que é com as neo-vanguardas que pela primeira vez se compreende o alcance das propostas das vanguardas de início do século XX.
Síntese
- Recorre-se usualmente ao termo neo-vanguardas para referir um conjunto de práticas artísticas que se definem na segunda metade do século XX.
- As neo-vanguardas compreendem práticas artísticas como o Expressionismo Abstracto, o Neo-Dada, a Pop Art, o Noveau Réalisme, a Arte Conceptual, o Fluxus ou o Minimalismo.
- Um traço comum das neo-vanguardas é uma autorreflexividade que problematiza, antes de mais, o que é arte e quais as condições que levam a que qualquer objecto possa ser aceite como tal.
Ficha Técnica
- Título: As Neo-vanguardas
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira
- Ano: 2021
- Imagem: Retroactive I, Robert Rauchenberg/ Rauchenberg Foundation.