Daniel Faria: inéditos do jovem poeta

Quando a morte veio, demasiado cedo, este era um dos projetos que o trazia ocupado. A história dos primeiros homens no começo do mundo ficou incompleta, fechada no seu enigma, arrumada ao lado dos livros que lia incessantemente, das preciosas pedras e dos pássaros de papel que colecionava. Fragmentos, coisas, que acompanhavam silêncio e recolhimento do rapaz que veio do campo para ser monge e poeta de "versos que põem o mistério a ressoar em redor de nós", como os descreveu Sophia. "Sétimo Dia" tem o mesmo mistério a pulsar nas palavras; livro inédito de Daniel Faria publicado no ano em que completaria 50 anos e que nos faz regressar a esta vida breve.

Entre a escrita e a oração, Daniel Faria pressentiu ser este o seu lugar no mundo. Ainda pequeno, na aldeia onde nasceu, perto do Porto, fez-se guardador de pedras e de palavras, tesouros que brilhavam no chão da terra e nos livros, que lia de forma errante e voraz. Numa dessas leituras descobriu Sophia e a poesia impôs-se-lhe como uma respiração. A afinidade com a estética límpida da autora e com a linguagem depurada de Herberto Helder, outro poeta que o inquietara, escutam-se em muitos dos versos que trabalhava até encontrar a palavra justa. Porque o poema era matéria do sagrado, “um testemunho da Fé” que se manifestara cedo na vida do rapaz tímido e discreto, que entrou no seminário aos 12 anos, por vontade própria.

No tempo do noviciado em Singeverga, a sua poesia mística “vem à superfície” e surpreende. São versos de um jovem quase desconhecido que buscam a luz com a força da originalidade e uma sensibilidade profunda. Dois livros de uma só vez publicados, em 1998: um chamava-se “Explicação das Árvores e Outros Animais”, o outro, “Homens que São Como Lugares Mal Situados”. Não eram os primeiros de Daniel Faria, mas aqueles que o confirmavam como poeta raro.

Um ano depois, quando finalizava “Dos Líquidos”, o futuro monge beneditino caiu no mosteiro de Santo Tirso e acabou por morrer. Desta vida breve de 28 anos continuam a chegar fragmentos do seu corpo poético, do que escreveu para os outros para explicar o inexplicável. Nas vésperas da morte, trabalharia também neste “Sétimo Dia”, texto inacabado sobre a condição humana e os lugares dos primeiros homens no mundo, publicado nos 50 anos do seu nascimento. O que mais terá deixado Daniel Faria por descobrir será sempre motivo para regressar a uma obra que, para Francisco Saraiva Fino, ensaísta que organizou e prefaciou este livro de inéditos, é como uma constelação.

Sophia, na primeira pessoa
Veja Também

Sophia, na primeira pessoa

“Servidões”, de Herberto Helder
Veja Também

“Servidões”, de Herberto Helder

Manuel António Pina, poeta de todas as palavras
Veja Também

Manuel António Pina, poeta de todas as palavras

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Nada Será Como Dante
  • Tipologia: Extrato de Programa Cultural - Reportagem
  • Produção: até ao Fim do Mundo
  • Ano: 2021