Partida de D. João VI e da corte para o Brasil

A saída da família real e da corte portuguesa para o Brasil ocorreu em circunstâncias extraordinárias: a impossibilidade de Portugal manter a sua neutralidade num conflito que envolvia toda a Europa e que opunha a França à Inglaterra.

Depois de vários anos em que Portugal tinha conseguido ganhar tempo, Napoleão fez um ultimato, em agosto: Portugal estava obrigado a aderir ao bloqueio continental, fechar os portos aos navios ingleses e declarar guerra à Inglaterra. Sendo a guerra inevitável e perante a possibilidade / inevitabilidade de uma invasão francesa, com apoio espanhol, a retirada da família real para o Brasil foi uma hipótese considerada, e que veio de facto a ser a opção escolhida pelo príncipe regente, D. João VI.

A 22 de outubro, Portugal assinou com a Inglaterra uma convenção secreta que previa esta transferência, sob proteção britânica. Já havia notícias, por esta altura, das movimentações de tropas francesas e espanholas, em direção à fronteira portuguesa, mas só por volta do dia 20 de novembro é que o exército invasor entrou em Portugal. A decisão de retirar para o Brasil, que inicialmente estava prevista só para o herdeiro (Príncipe da Beira, D. Pedro), foi alargada a toda a família real. Foi uma decisão de emergência, apressada. Os navios saíram do porto de Lisboa a 29 e as tropas francesas entraram na cidade na manhã do dia seguinte.

 

  • Como se pode classificar? Uma retirada? Uma fuga?

A transferência da família real para o Brasil tem suscitado interpretações diversas e polémicas e acusações de “cobardia” e de “abandono” a D. João VI. As explicações são um pouco mais complexas. Primeiro, estava em causa a intenção de napoleão de capturar os membros da casa real portuguesa e, evidentemente, submetê-los à sua vontade. Napoleão já havia procedido deste modo com outras casas reinantes e veio a fazê-lo mais tarde. Uma vez que o domínio de Portugal era fundamental na sua estratégia de combater o poder marítimo inglês, a melhor forma de consegui-lo era aprisionar o príncipe regente ou o príncipe herdeiro.

Ao esquivar-se a esta possibilidade, Portugal mantinha a sua integridade como reino independente e condenava a presença francesa à categoria de invasor e ocupante ilegítimo, que foi o que efetivamente aconteceu. Sabe-se que Junot ficou furioso quando chegou a Lisboa e não encontrou ninguém da casa real portuguesa, apenas uma junta governativa. Mas ao mesmo tempo, sabemos hoje, soube-se depois que o exército francês chegou em estado lastimável a Lisboa, após uma penosa passagem pela Beira. Talvez tivesse sido possível enfrentá-lo e evitar, assim, a saída para o Brasil.

 

  • Quais foram as consequências?

A transferência da corte para o Brasil era do interesse britânico, e portanto significou o alinhamento definitivo de Portugal com a Inglaterra. Durante vários anos o país foi um palco de guerra, tendo sofrido mais duas tentativas de invasão por parte da França. Havia um vazo de poder, que estava nas mãos dos generais ingleses, primeiro o Duque de Wellington e mais tarde o general Beresford. Quando a guerra terminou, D. João VI foi instado a regressar, já com um regime constitucional em preparação. No Brasil, o seu filho aderiu à causa independentista e veio a proclamar a independência do território, porque o Brasil não admitia ser novamente relegado para a categoria de colónia. Pode-se portanto dizer que a saída da família real, em 1807, foi uma das condições que permitiu, propiciou, ou acelerou a instauração do liberalismo em Portugal e a independência do Brasil.

Ouça aqui outros episódios do programa Dias da História

Recordações de abril no Largo do Carmo
Veja Também

Recordações de abril no Largo do Carmo

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Os Dias da História - Partida de D. João VI e da corte para o Brasil
  • Tipologia: Programa
  • Autoria: Paulo Sousa Pinto
  • Produção: Antena 2
  • Ano: 2016
  • Embarque do príncipe regente de Portugal, Dom João, e toda família real para o Brasil no cais de Belém. (1815)/ : Henri L'Evêque