Querubim Lapa, o pintor atrás da cerâmica

De um lado, estava o pintor. Do outro, o escultor e o ceramista. Querubim Lapa ligou todas as artes numa plasticidade inovadora e inventiva. Cores explosivas, volumetrias inesperadas, geometrias a romper com a tradicional linguagem académica, mas recuperando influências clássicas e até primitivas. A obra tornou-se visível, com impacto no espaço público. Alguns dos trabalhos mais icónicos estão ao virar da esquina, nas ruas de Lisboa. Com uma invulgar longevidade artística, mestre Querubim, que tinha na pintura a maior paixão, foi um dos mais relevantes ceramistas portugueses do século XX.

É possível que os muito distraídos não reparem nas fachadas revestidas a cerâmica, nos painéis tridimensionais que se encontram no exterior e interior dos edifícios públicos e privados. Que lhes escapem as gradações de cor, os azulejos policromáticos ornamentados com elementos vegetais e animais, os vidrados metalizados. Alguns exuberantes, como a coluna do Hotel Ritz (1959) ou o baixo-relevo do café Mexicana (1962), outros mais depurados e geométricos, como a estação do metropolitano da Bela Vista (1998).

As obras contam-se num roteiro longo e impressivo. Querubim Lapa é o ceramista com mais presença em Lisboa, resultado do trabalho desenvolvido, a partir de 1954, com Raúl Chorão Ramalho e outros arquitetos ligados ao modernismo. Convidado a idealizar e a realizar peças em azulejaria, cerâmica e escultura, o artista ganha experiência na Viúva Lamego – fábrica com tradição na arte do azulejo desde 1849 – , aprofunda técnicas, ao mesmo tempo que se aventura em soluções plásticas inovadoras. “As características que melhor definem o seu trabalho é experimentar, arriscar, investir”, salienta Rita Gomes Ferrão, historiadora e investigadora que conduz esta Visita Guiada.

Surgem os vidrados opacos, os esmaltes transparentes e as sobreposições de cores a criar texturas estaladas, sendo esta última uma técnica que cultivara antes na pintura, em alguns dos seus quadros ligados ao neorrealismo, movimento a que se associou quando na Arte era também necessário assumir uma posição e um programa estético para lutar contra a ditadura do Estado Novo. Nessa fase pintou As Costureiras, onde são visíveis as camadas de tintas, raspadas e riscadas, criando assim um dos efeitos identitários desta obra de autor.

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A linguagem pictórica do mestre Querubim vai revelar-se fundamental no trabalho enquanto ceramista, o mais conhecido e imediatamente reconhecido de toda a sua obra. A formação em escultura e pintura – primeiro na Escola António Arroio, depois na Faculdade de Belas Artes -, a inspiração enraizada em Rafael Bordalo Pinheiro, assim como as referências clássicas da história da arte, são bases sólidas na diversidade plástica que explora, renova e reinventa ao longo dos anos.

As fórmulas que descobre e observa – seja numa obra de Picasso ou nas porcelanas e lacas orientais – aplica-as em revestimentos e ornamentos volumétricos com impacto visual sofisticado e inesperado no espaço urbano. São peças modeladas, articuladas e integradas na arquitetura, a marcar o quotidiano das cidades, num diálogo visual empenhado em aproximar a arte do público e o público da arte. Os projetos em que participou estão espalhados por ruas e avenidas, nos exteriores e interiores de lojas, escolas, hotéis e dependências bancárias. No país e fora do país.

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É pelo Chiado lisboeta que avançamos agora neste programa, para usufruir de uma das obras mais icónicas de Querubim Lapa (1925-2003). Trata-se da antiga Casa da Sorte e da sua emblemática fachada a esconder um interior arrojado, com um imaginário ajustado ao tema. Concebida em 1963 faz parte da afirmação de um artista que começou a desenhar “para fugir às irmãs” e que o pai queria ver na profissão de serralheiro. Considerado uma das “figuras maiores da cerâmica moderna portuguesa do século XX”, tudo o que o mestre queria era ser pintor, dizia mesmo que era um pintor escondido atrás da cerâmica.

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Ficha Técnica

  • Título: Visita Guiada - Querubim Lapa
  • Tipologia: Programa Cultural
  • Autoria: Paula Moura Pinheiro
  • Produção: RTP
  • Ano: 2019