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Crítica de arte

Crítica de arte

É no século XVIII que se conjugam condições para o aparecimento da Crítica de Arte. Antes de mais, o campo cultural no seu todo vinha assumindo uma relevância crescente na esfera pública, espaço de apresentação de ideias e de debate, mas também de justificação ou declaração de poder político e económico. Um longo movimento de cerca de três séculos onde vão solidificar-se o mercado da arte, as academias de artes e os espaços de exibição de obras de arte (nomeadamente os salões) e os periódicos. Locais que sustentam a prática da Crítica de Arte, chegando a um público alargado que assim poderia aceder a critérios ou juízos sobre as novidades apresentadas a cada novo salão.

É no século XVIII que se conjugam várias condições que possibilitam o aparecimento da Crítica de Arte. Antes de mais, o campo cultural no seu todo vinha-se paulatinamente afirmando na vida pública, num movimento cuja origem se situa geralmente nos alvores do Renascimento. Acompanha assim as mudanças políticas, económicas e sociais que se vão articulando ao longo desse período, indo desde a ascensão de uma nova classe burguesa, à consolidação do Estado moderno. Passando ainda por cambiantes no pensamento que contribuem para a sedimentação do individualismo ou do racionalismo, não se podendo desligar de uma outra atitude crítica face ao mundo, ao governo da comunidade e ao próprio homem.

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E se tal atitude teve implicações no modo como se procurou pesar as diversas dimensões da vida do homem, entre as quais a cultural, surge igualmente relacionada com a crescente relevância de uma esfera pública onde se encontrava não só o espaço de apresentação de ideias e de debate, mas também de justificação ou declaração de poder político e económico. Neste sentido, também o campo cultural se assume como local a partir do qual materializar essa mesma afirmação de poder, quer se refira o Estado e o soberano, a aristocracia, a burguesia ou, mesmo, uma cada vez mais alargada fatia da população que nela participa ativamente.

Neste longo movimento, que se pode fazer coincidir com a progressiva definição do sujeito moderno e de uma ideia de cidadania, vão solidificar-se ainda diversos elementos que, no seu conjunto, ajudam a entender o porquê do surgimento da crítica de arte no século XVIII. São estes o mercado da arte, as academias de artes e os espaços de exibição de obras de arte (nomeadamente os salões) e os periódicos.

Começando pelo primeiro, o mercado, a sua preponderância do século XVII em diante terá duas repercussões que aqui interessam destacar: torna acessível a aquisição de obras de arte a uma população mais vasta; permite aos artistas escapar à relação com um mecenas, contribuindo para uma autonomização do fazer artístico, sensível a título de exemplo em práticas que não obedeciam à esquematização e valorização dos géneros da pintura pela academia ou aos seus princípios clássicos. As academias de artes, por seu turno, são relevantes por duas vias: por um lado, é com o salão da Academia Francesa, o Salão de Paris, sobretudo após a sua abertura ao público e estabilização de uma cadência bienal de 1737 em diante (que passará a anual), que se estabelece um horizonte temporal artificial, criando uma atualidade que é necessário seguir, marcada a cada nova exposição.

Os salões de arte
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Por outro lado, apesar do aparente imobilismo académico, que não se deve desligar da sua relevância enquanto organismo de Estado, com a forte estatização do gosto que havia revelado no caso francês, por exemplo, é ainda um júri da academia que decide que obras são expostas no Salão. Permeável a novidades, é certo, mas também a polémicas quanto às escolhas, tanto do que aceita como das exclusões, dando lastro a uma oposição face às escolhas dos críticos. Por fim, no século XVIII estava já consolidada a imprensa, o que se podia confirmar desde o século anterior com a fundação de diversos títulos ou a alteração de já existentes para uma periodicidade diária. Espaços de acompanhamento da atualidade, é também aí que surgirão as primeiras crónicas dedicadas à arte, nomeadamente, como já referido, focando os salões da academia.

Todos estes elementos irão conjugar-se para que a crítica de arte se vá afirmando ao longo da segunda metade do século XVIII. Assim, a abertura dos salões ao público não só cria um conjunto de leitores interessados, como se pode verificar o seu inverso, isto é, a partir da crítica gerar o interesse para a visita às exposições. Por sua vez, a preponderância do mercado da arte articulava-se com a valorização de obras e autores, decorrente do maior ou menor sucesso nos salões, sendo que esse sucesso era definido no cruzamento entre as escolhas dos júris, permitindo a dado artista aceder a um espaço de visibilidade, e os juízos dos críticos.

Neste sentido, a leitura das colunas dedicadas à crítica de arte permitia aceder a critérios ou opiniões especializadas sobre os quais basear uma possível compra, mas também seguir as novidades e manter uma visão panorâmica sobre o fenómeno artístico. Ambas estas vertentes, compra e acompanhamento das novidades, serviam duas faces da afirmação de um estatuto político, económico e social de diferentes classes sociais.

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Contudo, podiam igualmente demonstrar a preponderância do campo cultural na vida pública, através de uma  atenção à arte sem qualquer daqueles propósitos. Com efeito, a crítica de arte irá estabelecer-se no espaço aberto por algumas das tensões que resultam deste panorama. Nem a autonomização do fazer artístico se compadecia com os ditames rigorosos da academia, nem um público generalizado se revia ou amiúde compreendia as elucubrações académicas, nem estas podiam acompanhar de pronto a novidade de práticas artísticas que rompiam com o classicismo. E tão pouco um juízo sobre arte, mas antes de mais, sobre obras e artistas em concreto, seria creditado a esses mesmos artistas.

Assim se compreendendo que, ao longo da história, parte dos críticos de arte, entre os quais se destacam Denis Diderot (1713-1784), Charles Baudelaire (1821-1867) ou Guillaume Apollinaire (1880-1918) – para alargar a cronologia, ainda que fixando o caso francês – fossem antes de mais escritores reconhecidos, conseguindo a tradução e mediação necessária a uma boa crítica. Mas eram igualmente conhecedores do campo cultural, assim procedendo a uma dificílima síntese entre a novidade e um panorama cultural mais vasto, que não se pode esgotar naquela.

Síntese

  • É no século XVIII que se conjugam condições para o aparecimento da Crítica de Arte.
  • O mercado da arte, as academias de artes e os espaços de exibição de obras de arte (nomeadamente os salões) e os periódicos constituem parte da rede que sustenta a afirmação da Crítica de Arte.
  • O desenvolvimento da Crítica de Arte na segunda metade do século XVIII demonstra como o campo cultural vinha assumindo uma relevância crescente na esfera pública.

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Crítica de arte
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira
  • Ano: 2021
  • Imagem: Sátira aos críticos de arte, Rembrandt van Rijn