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Interpretar dados de propagação de ondas sísmicas

Interpretar dados de propagação de ondas sísmicas

O conhecimento das zonas mais internas da Terra tem sido possível com o recurso a métodos indiretos, principalmente, como os métodos geofísicos, nomeadamente o estudo da propagação das ondas sísmicas através do interior terrestre (sismologia).

A velocidade de propagação das ondas sísmicas depende de diferentes variáveis como a rigidez (resistência à deformação), a densidade e o grau de incompressibilidade (resistência à variação de volume) dos materiais rochosos por elas atravessados. 

Além de condicionarem a velocidade de propagação das ondas, as diferentes características físicas dos materiais condicionam, também, o seu trajeto em profundidade. Quando as ondas encontram um meio com diferentes características físicas (densidade) durante o seu trajeto, elas sofrem reflexão e refração na superfície de separação dos diferentes meios – superfície de descontinuidade. Enquanto a onda refletida continuará a propagar-se no mesmo meio, a onda refratada passa a propagar-se num meio distinto, sofrendo um desvio na sua trajetória.  

Assim, conhecendo-se a variação da velocidade das ondas sísmicas em profundidade, através dos diferentes materiais ali presentes, é possível concluir-se sobre a natureza desses materiais e das descontinuidades que os separam. 

À medida que as ondas (P e/ou S) mergulham em profundidade, a partir do foco (=hipocentro), ocorrem reflexões e refrações nas diferentes descontinuidades, o que origina situações como as descritas pelo geofísico Mohorovicic:  

  1. para trajetos curtos(<60 Km) entre o epicentro do sismo e a estação sismológica (distância epicentral), só são registadas ondas P diretas (que se deslocam próximo da superfície, no mesmo meio, até atingirem a estação). Isso permitiu determinar a velocidade média de propagação dessas ondas, uma vez que a distância ao epicentro era conhecida, bem como o tempo que elas demoraram a realizar esse trajeto (VP = x/t = 5,6 Km/s); 
  2. para distânciasepicentrais iguais ou superiores a60 Km, eram registadas ondas P diretas e ondas P refratadas nessas estações; 
  3. paradistânciasepicentrais superiores a 150 Km, as ondas P refratadas chegam sempre primeiro que as ondas P diretas à estação sismológica, mesmo tendo percorrido um trajeto mais longo. Como explicar esta situação?  

A velocidade de propagação das ondas P nos peridotitos, rochas que constituem o manto litosférico, é de 8 Km/s. Já em rochas de camadas mais superficiais da Terra, como os arenitos, as mesmas ondas apresentam velocidade média de 3,5 Km/s. Assim, quando uma onda sísmica mergulha no manto, ela propagar-se-á com uma velocidade muito superior àquela onda que se propaga junto à superfície. Por isso, quanto maior a distância epicentral, maior será a profundidade percorrida por uma onda refratada, mas maior será a sua velocidade através dessas zonas mais internas, pelo que essa aceleração justifica a sua chegada à estação antes de uma onda que, percorrendo camadas superficiais e um trajeto mais curto tem, contudo, uma velocidade de propagação muito inferior. 

Através destes e de outros dados, foi possível estabelecer o limite médio entre a crusta continental e o manto entre 35 e os 40 Km de profundidade, variando entre os 20 e os 70 Km (nas grandes cadeias montanhosas). Na crusta oceânica, este limite está situado a uma profundidade média de 10 Km. Esta descontinuidade crusta-manto ficou conhecida como a descontinuidade de Mohorovicic ou Moho, apenas. 

Em 1914, Beno Gutenberg descobriu que as ondas P e S geradas nos diversos sismos nunca atingiam estações sismológicas situadas entre os 103 e os 143 graus, considerados a partir do epicentro e em todas as direções. A esta banda em volta da Terra, situada entre aqueles valores, para cada sismo, chama-se zona de sombra sísmica. Estes factos permitiram concluir que: 

  1. existe uma descontinuidade que justifica ocomportamento das ondas P e S a partir dos cerca de 2 900 Km de profundidade, originando a zona de sombra sísmica; 
  2. as ondas S não se propagam abaixo dos cerca de 2 900 Km de profundidade da Terra (descontinuidade de Gutenberg, que separa o manto do núcleo); 
  3. Uma vez que as ondas S não se propagam nos materiais líquidos, cuja rigidez é igual a 0, o material presente abaixo dos 2900 Km de profundidadedeverá encontrar-se no estado líquido. 

Em 1936 a sismóloga dinamarquesa Inge Lehmann verificou que, ao atravessarem o núcleo externo líquido, as ondas P sofriam reflexão numa descontinuidade no seu interior. Concluiu que o núcleo não era todo líquido, havendo uma parte interna sólida – o núcleo interno. Posteriormente, essa descontinuidade foi estabelecida a cerca dos 5 155 Km e foi chamada de descontinuidade de Lehmann. 

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Em resumo:

  • o estudo da propagação das ondas sísmicas permitiu conhecer e estabelecer a profundidade de várias descontinuidades: Mohorovicic, Gutenberg e Lehmann;
  • o estudo da propagação das ondas sísmicas permitiu, também, conhecer o estado físico dos materiais em profundidade, permitindo concluir sobre a natureza líquida do núcleo externo e, assim, explicar a existência de uma zona de sombra sísmica.

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Interpretar dados de propagação de ondas sísmicas prevendo a localização de descontinuidades (Mohorovicic, Gutenberg e Lehmann).
  • Área Pedagógica: Geologia
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Adão Mendes - Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia (APPBG)
  • Ano: 2020
  • Imagem: Foto de ArtHouse Studio no Pexels