Os museus de arte no século XX
A par da crescente importância dos museus de arte ao longo do século XX, afirmando-se como centros da vida pública, foram-se elencando exclusões que colocavam em causa o seu carácter democrático. Desde a frequência a museus, que decresce consoante baixam os níveis económicos e culturais dos visitantes, à gentrificação dos espaços urbanos, passando pela secundarização de práticas artísticas, a invisibilidade de relações de poder coloniais até à desigualdade de género. Debates que influíram não só nos modelos arquitectónicos dos próprios museus, mas também nas práticas artísticas ao longo do século XX.
Em 1966, o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) é coautor de um estudo que vai demonstrar como a frequência dos museus de arte estava associada a questões de classe, diminuindo a assiduidade das visitas à medida que diminuía a capacidade financeira, os níveis de educação e não existia um ambiente social e familiar que sedimentasse o costume de visitar museus, assim aprofundando desigualdades.
A esta exclusão social, juntar-se-iam várias outras. Desde logo, as que se relacionavam com os discursos museológicos, aprofundadas pela afirmação do museu como espaço de legitimação de práticas artísticas e artistas, local de conhecimento e reconhecimento.
Neste sentido, o Museum of Modern Art (MoMa) de Nova Iorque poderá ser exemplar. Inaugurado em 1929, ali se encontrará um modelo histórico da arte e de modo de apresentação das obras que frutificará nos anos seguintes. Historicamente, acompanhava a afirmação das vanguardas históricas e conferia um papel central a Paris e Pablo Picasso, colocando toda a restante produção artística na sua dependência, assim valorizando a sua própria coleção. Porém, o modelo do white cube que aí se institucionalizará depois da mudança para o seu edifício atual, em 1939, com galerias brancas de apontamentos arquitetónicos mínimos e molduras o menos perceptíveis possível, mostrava o museu como o possível espaço neutral que de facto nunca foi. Neutralidade que dizia respeito à fruição das obras de arte, mostrando-as com o mínimo de interferências, mas também no que poderia significar sobre a própria imparcialidade ideológica do museu, sustentada na cientificidade de um conhecimento sobre determinada área da atividade humana.
De resto, o papel que no MoMa era conferido à fotografia ou ao cinema demonstrava como também ali se jogavam as exclusões dos discursos museológicos, cristalizando-se narrativas sobre a arte.
Em 1977, em Paris, a inauguração do Centro Georges Pompidou, com o conjunto de departamentos associados ao museu de arte contemporânea, procurava abrir espaço a práticas artísticas que já não pareciam adequar-se a divisões disciplinares que secundarizavam a fotografia, a música ou o cinema face à pintura ou à escultura. Neste sentido, a própria designação de Centro, a par da escolha por um projeto que incluía uma grande praça exterior, aprofundava a noção de um espaço capaz de albergar as mais diversas práticas artísticas e, simultaneamente, apelar à sua vivência por camadas mais largas da população. Todavia, um dos dados mais sensíveis da construção deste museu colocava-se não no seu interior, mas precisamente na sua implantação urbanística.
Na tentativa de criar um marco que fizesse face ao que era entendido como um progressivo declínio francês no campo da arte, a construção de um grande edifício que pudesse assumir um papel central nos circuitos internacionais, inclusivamente do ponto de vista turístico, levou à reformulação profunda de toda uma área da cidade, o bairro de Beaubourg. O impacto desta intervenção, que incluiu a demolição de quarteirões, levou à reorganização profunda da vida social do bairro.
E se os museus foram desde sempre pensados como possíveis veículos de reordenação da cidade, o mesmo volta a suceder com a edificação do Museu Guggenheim de Bilbao, inaugurado em 1997. Em Bilbao, procurou-se revitalizar toda uma área daquela cidade basca, em que o próprio projeto arquitetónico se assumiu desde logo como motivo de visita em si mesmo. No entanto, tal como em Beaubourg e múltiplos casos ao redor do globo, mais uma vez o possível carácter democratizante da instituição, neste caso pela recuperação de mais e mais áreas da cidade para uma vivência pública, foi contrapesada pela gentrificação desses mesmos espaços. À reordenação e revalorização de novas áreas da cidade, correspondeu o aumento dos custos de habitação ou a reformulação do comércio, fomentando uma desigualdade crescente na vivência dessas mesmas zonas.
O difícil equilíbrio entre o propósito democrático do museu e a sua concretização prática levou á elaboração de um conjunto de críticas residindo fundamentalmente sobre o que é exposto, onde, como e porquê.
Desde a década de 1960 que um conjunto de trabalhos e intervenções artísticas vêm questionando o museu de arte, tocando temas que vão desde a valorização de obras, práticas e autores, pelo seu papel nos circuitos económicos associados à arte, até ao estatuto ontológico da obra de arte, passando pelas suas diversas invisibilidades. Desde os primeiros momentos da Crítica Institucional, nos anos 1960, que todos estes temas foram sendo abordados, expondo as relações de poder implícitas no museu. Nomeadamente uma narrativa de progresso que, colocando o Ocidente ao centro, tornava invisíveis as dependências coloniais sobre as quais assentou a força política, económica e cultural das nações ocidentais. E que, de resto, se podiam ainda perceber nos perfis dos visitantes ou nos corpos de trabalhadores dos museus.
A crítica à subalternidade estender-se-ia à secundarização de áreas geográficas e valores artísticos que se encontram fora dos cânones da arte ocidentais ou à quase ausência de exposição de obras de mulheres artistas.
Síntese
- Os museus de arte foram-se afirmando ao longo do século XX como espaços centrais da vida pública.
- A sua crescente importância e discussão potenciou o elencar de exclusões que colocavam em causa o carácter democrático do museu.
- Os debates suscitados pelas políticas museológicas influenciaram não só os seus modelos arquitectónicos e discursos, mas também as práticas artísticas ao longo do século XX.
Ficha Técnica
- Título: Os museus de arte no século XX
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira
- Ano: 2021
- Imagem: Guggenheim Museum Bilbao. Maman by Louise Bourgeois