Popper sobre a racionalidade e a objetividade científicas
Segundo Popper, a ciência é racional, pois há uma lógica da pesquisa científica e é objectiva pois as teorias são testadas de acordo com critérios objetivos e porque progride por aproximação à verdade.
A ciência é racional?
Quando se pergunta se a ciência é racional o que está em causa é se as teorias científicas são suportadas apenas por razões ou se dependem também de motivações não racionais, sejam elas de carácter meramente psicológico, ideológico ou religioso.
Dizer que as teorias são suportadas por razões é considerar que o processo de justificação de tais teorias recorre a métodos fiáveis, que tendem a produzir crenças verdadeiras ou conhecimento objetivo. Assim, a racionalidade da ciência surge normalmente ligada à questão do método.
Defender, ao invés, que a ciência não é racional (ou mesmo irracional) é considerar que as teorias científicas se apoiam também em aspetos como a sorte, a fé, os interesses pessoais, políticos, religiosos e até laborais. Quem assim pensa, insiste que o facto de a ciência ser construída por seres humanos a expõe inevitavelmente ao mesmo tipo de preconceitos, interesses e incoerências que se encontram em qualquer outra atividade humana.
Mas será correto manter a ideia de que a ciência é racional, se for verdade que as suas teorias resultam de motivações não racionais? Muitos filósofos reconhecem sem problemas que a ciência não é imune a essas motivações, havendo nela lugar para a irracionalidade. Costumam ser dados exemplos de importantes descobertas científicas que ocorreram por desleixo dos cientistas e até por mero acaso. Contudo, muitos filósofos da ciência estabelecem uma distinção importante entre
o contexto da descoberta, ou seja, o modo como se descobre algo
e
o contexto da justificação, ou seja, o modo como se justifica o que foi descoberto.
Consideram, além disso, que a tarefa científica fundamental é a que diz respeito ao contexto da justificação, pois é quando se passa à elaboração teórica e à produção de testes que permitem determinar se as explicações apresentadas são ou não cientificamente aceitáveis.
Tendo isso em conta, Popper defende que o processo de justificação teórica é inteiramente racional, na medida em que se baseia na produção de testes empíricos rigorosos, cuja avaliação é apenas uma questão de lógica dedutiva. Portanto, Popper defende que há uma lógica da pesquisa científica que torna fiável o processo de justificação teórica. Daí que a ciência seja racional.
Influenciado por Hume, Popper concordava que a ciência não era racional por se basear num tipo de raciocínio logicamente injustificado: a indução. A indução, pensava Hume, apoia-se mais no hábito — que é um critério psicológico — do que propriamente em razões lógicas. Por sua vez, os positivistas concordavam que a ciência é indutiva, mas pensavam haver boas razões lógicas a favor do raciocínio indutivo e, portanto, da racionalidade da ciência. Em parte, Popper discorda de ambos, defendendo que a ciência é racional mas não é indutiva. Concorda com Hume que a indução não tem justificação lógica aceitável, mas não deixa de afirmar, como os positivistas, que a ciência é racional. Mas a racionalidade da ciência deve-se, segundo Popper, ao facto de o processo de justificação científica assentar na dedução, que é um tipo de raciocínio logicamente fiável.
A ciência é objetiva?
Dizer que a ciência é objetiva é defender que as teorias científicas estão sujeitas a critérios de avaliação reconhecidos e aceites por todos os cientistas, podendo tais critérios ser uniformemente aplicados por eles.
Dizer que a ciência não é objetiva é considerar que há crenças e motivações de caráter pessoal ou contextual que levam os cientistas a interpretar e aplicar os critérios de avaliação das teorias de maneira diferente, ou mesmo a usar critérios próprios.
Popper pensa que a ciência é objetiva, defendendo que o modo como se avaliam as teorias não depende de critérios pessoais ou contextuais, mas de critérios estritamente lógicos, que qualquer cientista reconhece. Mesmo que as teorias tenham nascido das mais diversas motivações, nem por isso deixam de ser empiricamente testadas de forma rigorosa, sendo a avaliação dos seus resultados uma mera questão lógica, perante a qual as motivações pessoais dos cientistas não têm qualquer relevância. Daí que Popper afirme que o conhecimento científico é um conhecimento sem sujeito, ou seja, que assenta em processos inteiramente lógicos, sem depender das crenças de sujeitos. Daí tratar-se de conhecimento objetivo.
Assim, Popper não aplica ao conhecimento científico a noção tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada. Além de não haver crença — dado que teria de haver sujeitos para haver crenças — o conhecimento científico também não implica a verdade. Popper considera, então, que o conhecimento científico é objetivo, mesmo que as teorias científicas não sejam verdadeiras. Até porque, como se viu, a lógica da pesquisa científica apenas serve para falsificar teorias, não para provar que são verdadeiras. Mesmo que uma dada teoria resista a muitas e severas tentativas de falsificação, será incorreto inferir que tal teoria é verdadeira. Concluir que uma teoria é verdadeira por nunca se conseguir provar que é falsa seria incorrer na falácia do apelo à ignorância. De uma teoria que passou com sucesso os testes de falsificação a que foi submetida apenas se pode dizer que foi corroborada.
Contudo, uma vez que vão sendo apresentadas novas teorias que, além preservarem o poder explicativo das anteriores, passam nos testes em que estas falharam, é correto afirmar que as novas teorias têm, de acordo com Popper, um grau de verosimilhança cada vez maior. Isto significa que, apesar de ser inadequado considerá-las verdadeiras, essas novas teorias aproximam-se cada vez mais da verdade. Assim, para Popper a ciência não só é objetiva como também o progresso científico consiste num constante processo crítico de aproximação da verdade. Como nunca podemos provar que lá chegámos, esse processo crítico nunca pode ser dado por terminado.
Em resumo:
- Popper pensa que a ciência é racional, na medida em que a sua tarefa fundamental é a justificação teórica e esta tem um caráter lógico
- Popper defende que a ciência é objetiva, na medida em que as teorias científicas são avaliadas por critérios reconhecidos e partilhados pelos cientistas
- Apesar de a ciência proporcionar conhecimento objetivo, Popper considera ser inadequado dizer que as teorias são verdadeiras: ao passarem com sucesso nos testes rigorosos de falsificação, elas acabam apenas por ser corroboradas.
- As novas teorias, na medida em que explicam o mesmo que as anteriores e, além disso, resistem melhor aos testes de falsificação, têm um grau maior de verosimilhança. Isso significa que a ciência avança por sucessivas aproximações da verdade, sem nunca se poder dizer que a tenha alcançado.
Temas
Ficha Técnica
- Título: Popper sobre a racionalidade e a objetividade científicas
- Área Pedagógica: Filosofia
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Aires de Almeida
- Ano: 2020
- Imagem: Por LSE library - https://www.flickr.com/photos/lselibrary/3833724834/in/set-72157623156680255/, No restrictions, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9694262