Auto-de-fé: o rito da Inquisição e a Igreja de São Domingos
Do rei ao mais humilde plebeu, todos, sem exceção, estavam convidados a assistir ao maior espetáculo organizado pelo Tribunal do Santo Ofício. A cerimónia pública, encenada ao pormenor com grande antecedência, confirmava o triunfo da fé e o poder da Inquisição. Os cortejos de condenados e penitentes, vestidos com túnicas amarelas e descalços, começavam muitas vezes na Igreja de São Domingos, em Lisboa, e, frequentemente, terminavam na fogueira.
Grande azáfama antecedia o auto-de-fé. Eram necessárias várias semanas a planear e a montar o espetáculo que atraía as atenções da família real. Foi exatamente quando a presença do rei começou a ser mais constante, como acontecia com D. João V, que a cerimónia passou a ter outras exigências na apresentação pública dos réus, na leitura e na execução das respetivas sentenças.
Das túnicas que os condenados tinham de vestir pintadas à mão por artistas especializados, à própria estrutura do cadafalso, construída como se de um palco se tratasse, passando pelas bancadas dos ilustres convidados, cobertas com tecidos em tons de dourado e vermelho. A encenação a cargo do Tribunal do Santo Ofício era complexa, porém, eficaz.
Os longos cortejos em Lisboa realizavam-se normalmente ao domingo e duravam, no mínimo, um dia inteiro. Muitos deles começavam no Rossio, às portas da Igreja de São Domingos, mesmo ao lado do Palácio dos Estaus, sede do Tribunal da Inquisição desde a segunda metade do século XVI, o mesmo local onde hoje está o Teatro Nacional Dona Maria II.
Mas este “período áureo” dos autos-de-fé, acompanhados por multidões em delírio, acabaria por incomodar a Igreja de Roma, que já nos finais do século XVII ordenava a aplicação dos castigos em cerimónias particulares. O último auto em Portugal com condenação à fogueira teve lugar em 1766 e foi o de um padre jesuíta acusado de blasfémia, por ter dito que o grande terramoto tinha sido “castigo divino”.
A Inquisição portuguesa estabelecida no reino e no seu império a pedido de D. João III, famosa por perseguir e castigar judeus convertidos entre outras graves heresias, durante quase três séculos, seria extinta por decreto em 31 de março de 1821.
Ficha Técnica
- Título: Visita Guiada - Igreja de São Domingos, Lisboa
- Tipologia: Extrato de Programa Cultural
- Autoria: Paula Moura Pinheiro
- Produção: RTP
- Ano: 2015