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O “Jornalismo-cidadão”

O “Jornalismo-cidadão”

O conceito de jornalismo-cidadão pode ser encarado como parte do retrocesso civilizacional a que assistimos nos últimos anos, em várias áreas. Como a matéria-prima do jornalismo são factos, histórias e pessoas, é fácil confundir a mensagem com o mensageiro.

Em Portugal o fenómeno está relativamente controlado, no que respeita à dimensão. Noutros países da Europa são vários os sites e blogues que se dedicam ao que chamam também de “jornalismo colaborativo”. A democratização das redes sociais, acompanhada da massificação das ferramentas digitais, deu ao cidadão competências de comunicação que, por vezes, são confundidas com o jornalismo.

É fácil fotografar um acidente, filmar um incêndio, até uma agressão na via pública que envolva agentes da autoridade e disseminar pela internet. É fácil criar uma página no Facebook que se chame “Notícias de Alguidares de Baixo” e fazer crer ao público que ali são publicadas notícias. Com uma grande diferença: as notícias, feitas por jornalistas, confrontam, aferem da veracidade dos factos, enquadram e escrutinam. As publicações de cidadãos disfarçados de jornalistas não o fazem. Nem é suposto que o façam. Ao cidadão comum não passa pela cabeça aderir ao conceito “ensino do cidadão” ou à “medicina do cidadão”. Mas no jornalismo criou-se a ideia de que qualquer um pode recolher informação e passá-la como se fosse um profissional do setor.

O jornalista é preparado (treinado, também) para recolher informação e tratá-la antes de a publicar. Ora, um cidadão com uma máquina fotográfica, uma câmara de vídeo ou um simples smartphone, filma ou fotografa e pode fazer crer que se trata de uma reportagem. Mas as imagens (mesmo que acompanhadas de texto) refletirão sempre a sua perspetiva pessoal e não o interesse público.

Os cidadãos equiparados

Um dos fatores que muito contribui para essa confusão de forma e conteúdo na informação publicada nasce precisamente de alguma desordem no acesso à profissão de jornalista, através do conceito de “equiparado”. Na verdade, com a criação desse título profissional, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista pretendeu resolver um problema antigo, que decorria do facto de muitos diretores de jornais (sobretudo na imprensa regional) não serem jornalistas profissionais. Mas a resolução do problema acabou por criar outro, ainda maior: muitos foram os cidadãos que se sentiram legitimados a criar jornais e televisões regionais sem terem verdadeiros jornalistas nas suas redações. Portugal é farto em exemplos de publicações que nascem com um objetivo meramente comercial, e que se disfarça de informativo à conta dos equiparados.

A falha decorre precisamente de ser esta uma profissão que não obriga ao curso específico para que alguém a possa exercer. Em Portugal são considerados jornalistas todos aqueles que, exerçam “como ocupação principal, permanente e remunerada, com capacidade editorial, funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio eletrónico de difusão”. Porém, há essa alternativa, para aqueles que não fazendo do jornalismo a sua atividade principal, permanente e remunerada, exerçam, contudo, “de forma efetiva e permanente as funções de direção do sector informativo de um órgão de comunicação social estão obrigados a possuir um cartão de identificação próprio, para efeitos de garantia de acesso à informação”. Segundo a legislação em vigor “os equiparados a jornalistas estão sujeitos às normas éticas previstas para os jornalistas, bem como ao regime de incompatibilidades”. Mas, na prática, raramente isso acontece. São poucos os equiparados que têm em conta o código deontológico e o estatuto do jornalista.

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Ficha Técnica

  • Título: O "Jornalismo-cidadão"
  • Área Pedagógica: Ensino para os Media
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Paula Sofia Luz - Associação Literacia para os Media e Jornalismo (ALPMJ)
  • Produção: RTP
  • Ano: 2021
  • Imagem: Foto de Hammad Khalid no Pexels