A escrita reinventada por Luandino Vieira
De Luanda vem Luandino, nome que escolheu para si. José Vieira Mateus da Graça, português de Vila Nova de Ourém, ficou cidadão angolano quando lutou pela independência de Angola. Contador de histórias, foi distinguido com o Prémio Camões, que recusou.
Não tem o ritual diário da escrita porque prefere viver, caminhar, contemplar, escutar a natureza que o rodeia em Vila Nova de Cerveira, para onde se mudou no início dos anos noventa, retirado do mundo mas atento a tudo o que acontece. “Só escrevo quando não posso fazer outra coisa”, diz na entrevista que concedeu à Antena 2, em 2006. Porém faz-se acompanhar sempre de um caderninho para tomar apontamentos, ou guarda tudo na memória, que nunca lhe falha; às vezes frases inteiras, tal qual foram armazenadas passam diretamente para dentro das histórias, dos contos e dos romances. Luandino, afinal, escreve todos os dias. Considerado por muitos um dos maiores nomes da literatura africana, o mítico autor de “Luuanda” só recebe os prémios que a sua consciência permite, o que não aconteceu com o Prémio Camões, que lhe foi atribuído em 2006 “pelo seu contributo para a reinvenção da língua portuguesa”.
A maior parte da obra escreveu-a antes de 1975, nos anos em que lutou contra o colonialismo português ao lado do Movimento de Libertação de Angola. Acusado pela PIDE de ligações ao MPLA, foi condenado a 14 anos de prisão, quase todos passados no Tarrafal, em Cabo Verde, onde descobre o escritor que mais o havia de o influenciar, o brasileiro Guimarães Rosa. Luandino perdeu a liberdade, mas do tempo passado no campo de concentração recorda o convívio com os outros presos, esperiência estruturante na sua formação. Na cadeia escreve 8 livros, um deles, “Luuanda” foi distinguido com o Grande Prémio de Novelística pela Sociedade Portuguesa de Escritores, mas a polícia política de Salazar não deixa passar o episódio em branco: destruiu e fechou a sede, prendeu o júri por “traição à pátria”. O autor iria continuar preso até 1972, altura em que é libertado com residência fixa. A partir daí fica cerca de 30 anos sem publicar, um silêncio quebrado com “O Livro dos Rios”, em 2006, o primeiro de uma trilogia. Nesses anos, com outros escritores de guerrilha irá fundar a União dos Escritores Angolanos.
Também na escrita, Luandino tem um projeto político, como explica na peça de vídeo de 1978 que abre este artigo. Inventa palavras, combina o português e o quimbundo para afirmar a identidade de Angola, que desde os três anos de idade é terra sua por adoção. Nascido em 1935 em Portugal, José Vieira Mateus da Graça, nome de baptismo, volta às origens com quase 60 anos de idade. Ouvimo-lo aqui recordar a infância e o tempo em que começou escrever.
Temas
Ficha Técnica
- Título: A Ideia e a Imagem - Literatura Africana de expressão portuguesa
- Tipologia: Extrato de programa
- Autoria: Álvaro Manuel Machado
- Produção: RTP
- Ano: 1978
- Título da peça audio : Força das Coisas - entrevista com Luandino Vieira
- Tipo: Extrato de programa
- Produção: Antena 2
- Ano: 2006