Baleeiros açorianos: a história que não se repete

Enfrentar o maior animal do mundo em pequenos botes foi aventura de ilhéus valentes dos Açores. Muitos eram camponeses que iam ao mar ganhar sustento. Com arpões e orações deram caça às baleias durante décadas. Uma história com raízes americanas.

Esta história insular da caça às baleias começou em finais do século XVIII, quando navios baleeiros da Nova Inglaterra recrutavam nas ilhas tripulação para as suas longas campanhas. Muitos portugueses partiam nos barcos; uns regressavam a casa, outros faziam casa no outro lado do atlântico, na costa leste dos Estados Unidos da América, que assim ficou durante muitas décadas destino de emigração dos açorianos.

Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão, na ilha das Flores
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Os ilhéus, muitos apenas rapazes com 13 e 14 anos, tinham coragem, olhos de falcão e a mestria de grandes caçadores. A bordo desses  baleeiros americanos, apuraram técnicas, aprenderam a derreter a carne que era transformada em óleo, a retirar das enormes cabeças o espermacete. Conhecimentos que puseram em prática nas ilhas, a partir de 1864.

As ilhas das baleias

A aventura começava em terra firme, com vigias a ler de binóculos  o horizonte azul, à procura do  jato do cachalote. Sempre que um era avistado, ora lançavam um foguete, agitavam um lençol branco ou usavam fumo para avisar que andava baleia ali por perto. Os homens, na maioria camponeses, acorriam aos barcos, lançavam-se ao oceano, às vezes sem tempo de arranjar farnel. Iam com bravura desafiar gigantes, acompanhados pela sombra da tragédia e da morte. A aventura começada em terra podia acabar no fundo do mar.

Montados  em pequenos botes, durante horas ou dias a fio, perseguiam o animal até este ficar “trancado”. A luta era travada com arpões e lancetas, com as quais furavam os pulmões, que se enchiam de água e transformavam o cachalote num cadáver flutuante, mais fácil de rebocar para terra. Aí iniciava-se outra faina, que era a de desmanchar o corpo da baleia e retirar dele a abundância destas ilhas.

Relembrar a caça à baleia nos Açores
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O óleo extraído da carne derretida em grandes caldeiras, servia para alumiar, fazer velas, sabão e margarinas; dos intestinos vinha uma substância usada na perfumaria; com ossos faziam-se espartilhos, pentes, escovas  e artesanato, os restos que sobravam de carnes e ossos fertilizavam a terra. Em 1955, no apogeu da caça à baleia nos Açores, óleos, farinhas e do “âmbar pardo” eram exportados para todo o mundo, originando receitas generosas.

O fim da baleação

Os registos da baleação nos Açores impressionam: entre 1896 e 1949 foram ali mortas 12 mil baleias. O impacto económico da atividade era grande, mas foi no Pico que teve maior expressão ao ponto de fazer parte da identidade cultural daquela ilha, como testemunha o museu que preserva histórias e memórias da caça ao grande mamífero. Ali foi capturado o último cachalote, em 1987, numa altura em que a caça comercial estava proibida pela Comissão Baleeira Internacional.

Portugal acatou as diretivas no ano em que entrou para a CEE, Comunidade Económica Europeia, sendo um dos primeiros países a por fim à barbárie que era a matança das baleias. Nesse mesmo ano, em 1986, foi fechada a última fábrica de transformação de baleias naquela região.

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A perseguição que hoje se faz não é para matar mas para observar os cetáceos, como a baleia-azul, que fazem dos Açores passagem obrigatória na rota de migração. É com esta nova e ecológica atividade que as ilhas atraem mais turismo e fazem milhões de euros todos os anos.

Mas as recordações desses outros tempos estão lá, guardadas por quem viu ao longe ou andou no mar, a lutar com o grande mamífero dos oceanos. Contam-se aqui algumas, nesta reportagem da RTP.

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Ficha Técnica

  • Título: Mar à Vista - Património Baleeiro
  • Tipologia: Extrato de Programa - Reportagem
  • Autoria: José Serra / Filipe Porteiro
  • Produção: RTP
  • Ano: 2011