Torre do Tombo, a mais antiga guardiã da História
Guardada na Torre do Tombo está a memória de um povo com nove séculos de História. O tesouro é de papel, frágil, portanto, a exigir cuidados de conservação e restauro. O acervo tem mais de 100 quilómetros de toda a espécie de registos dos momentos mais importantes da identidade nacional. Como a Bula Manifestis Probatum, o Tratado de Tordesilhas e a carta de Pêro Vaz de Caminha. Todos podem ser consultados nesta Torre de origem medieval.
É preciso recuar ao reinado de D. Fernando I para descobrir as origens da mais antiga instituição portuguesa e do nome que mantém desde então. A primeira de todas as Torres do Tombo ficava no castelo de Lisboa, dentro das muralhas que defendiam a cidade. Designada no início por Albarrã ou Torre do Tesouro, viu-se transformada em depósito dos Capítulos da Corte e de tantos outros documentos oficiais e tratados internacionais, por motivos de segurança e questões logísticas. Até aí os “papéis de maior consideração” acompanhavam os monarcas nas viagens pelo território, alguns iam ficando em conventos, outros copiados em vários exemplares, mas devido ao risco de se perderem ou de serem roubados, entendeu-se que só uma pequena fortaleza podia guardar os mais valiosos pergaminhos do reino.
Foi em 1378 que ficou a Torre a ser definitivamente do Tombo, palavra à época a significar arquivo e registo, ainda hoje com essa função no Brasil. Ali trabalharam cronistas como Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Damião de Góis, entre outros, e ali ficavam os longos registos da Chancelaria Real, antecessores do atual Diário da República. Depois veio o terramoto de 1755 e a torre desapareceu para sempre.
O milagre da arquitetura, uma lição para o século XX
No dia de Todos-os-Santos, tão valioso património que pouco estimado era – à exceção do Venturoso rei D. Manuel I que mostrara consciência da necessidade de preservar a memória dos portugueses e dos feitos expansionistas -, ficou totalmente soterrado mas, os escombros dos edifícios que ruíram, como por milagre, protegeram livros e documentos do incêndio.
A lição foi aprendida e aplicada pelo arquiteto Arsénio Cordeiro na construção da nova Torre, na Cidade Universitária do Campo Grande. Se acontecer outro sismo, as torres (na verdade são duas, em forma de tê), estão construídas para cair uma sobre a outra e salvar o tesouro de papel que narra momentos fascinantes da nossa História.
Tratar de salvar documentos únicos foi o que fez o guardião-mor do arquivo e engenheiro do reino, no dia do terramoto. Manuel da Maia liderou as operações e tratou de arranjar sítio seguro para abrigar o acervo. Serviu primeiro uma barraca de madeira velha junto da Praça de Armas do Castelo. A seguir fez-se a mudança para o Convento de São Bento da Saúde, onde agora funciona a Assembleia da República.
100 quilómetros de documentos no mundo digital
Durante mais de duzentos anos, este arquivo nacional que inclui documentos classificados Património da Humanidade e Registos da Memória do Mundo pela UNESCO, como a Carta do Achamento do Brasil de Pêro Vaz de Caminha, o Tratado de Tordesilhas, a Carta de Lei da Abolição da Pena de Morte sobreviveu, uma vez mais, sem as devidas condições.
Na última década do século XX, o extenso acervo com “100 quilómetros de peças de um valor inestimável, a cobrir um arco temporal de mil e cem anos”, encontrou o espaço merecido: uma caixa-forte onde a memória do país é salvaguardada através de um meticuloso trabalho de restauro e conservação. Documentos do passado e do presente que, aos poucos, estão a ser transferidos para uma outra torre construída no mundo digital. Uma tarefa essencial, mas que não acaba mais, sublinha o nosso guia nesta história, o quinquagésimo nono guardião-mor da Torre do Tombo, Silvestre Lacerda.
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Ficha Técnica
- Título: Visita Guiada - Torre do Tombo
- Tipologia: Extrato de Programa Cultural
- Autoria: Paula Moura Pinheiro
- Produção: RTP
- Ano: 2015