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Críticas de Sandel e Nozick à teoria da justiça de Rawls

Críticas de Sandel e Nozick à teoria da justiça de Rawls

A teoria da justiça de Rawls tem sido muito discutida e confrontada com vários tipos de críticas, sobretudo de comunitaristas, libertaristas e igualitaristas, como Sandel e Nozick.

Michael Sandel (n. 1953) é um filósofo comunitarista, que rejeita qualquer forma de liberalismo. Em termos gerais os comunitaristas consideram que cada um de nós não pertence apenas a si mesmo, uma vez que nascemos já ligados a obrigações que nos são anteriores e que, portanto, nós próprios não escolhemos. Por exemplo, nascemos no seio de uma família a que iremos inevitavelmente estar ligados por deveres e fidelidades que não decidimos. Portanto, estamos amarrados a compromissos e estabelecemos laços comunitários que, em parte, fazem de nós as pessoas que somos. É também no seio de uma comunidade concreta que se desenvolve a nossa noção do bem e o nosso sentido moral, dos quais dependem a própria ideia de justiça. Fora da sua comunidade ninguém seria a pessoa que é, pelo não há realmente um “eu” isolado. Um eu desenraizado de qualquer comunidade, é um eu abstrato que não existe em lado algum.

Sandel considera que é precisamente essa conceção abstrata do eu que encontramos na posição original, ou seja, a de indivíduos desenraizados e despojados pelo véu de ignorância de qualquer vínculo social concreto. Perante isto, Sandel não irá sequer discutir o conteúdo dos princípios da justiça defendidos por Rawls, pois é o próprio método que supostamente nos levaria a escolher tais princípios que ele irá rejeitar, ou seja, Sandel rejeita a ideia da posição original e do véu de ignorância. Para Sandel, qualquer conceção da justiça que parta da ignorância da nossa situação concreta como membros de uma dada comunidade equivale a ignorar a própria noção do bem comum, a qual é construída no seio dessa comunidade. Assim, escolhas feitas a coberto do véu de ignorância podem até ser imparciais, mas isso não as torna boas, pois são moralmente vazias e cegas: não passam de meras preferências amorais.

Por outro lado, defender que elas são justas por serem imparciais é o mesmo que dar prioridade ao que é justo sobre o que é bom. Ora, Sandel considera isso errado, alegando que os princípios que não sejam escolhidos em função de uma dada conceção do bem carecem da força moral necessária para serem aceites.

A crítica libertarista de Nozick

Robert Nozick (1938-2002), por sua vez, defendeu uma forma radical de liberalismo, conhecida como libertarismo. Os libertaristas consideram que o Estado só deve interferir na liberdade individual em situações excecionais e devidamente justificadas, o que não inclui a redistribuição da riqueza legitimamente adquirida pelas pessoas. Nozick parte do princípio deontológico de que as pessoas não devem ser tratadas como meios para outros fins, e que, portanto, cada indivíduo deve ser respeitado como sujeito autónomo, havendo direitos das pessoas que são inalienáveis. Nesse sentido, só há justificação para o Estado interferir na vida das pessoas caso estas o consintam ou quando estão em causa as condições estritamente necessárias ao funcionamento de qualquer sociedade. Por isso, o Estado deve, para os libertaristas, ter poucas funções — deve ser um Estado mínimo, que serve apenas para garantir a segurança das pessoas (polícia), proteger o país contra ameaças externas (forças armadas) e aplicar a justiça retributiva (tribunais). Só para poder tratar disso, e pouco mais, o Estado precisa de cobrar impostos.

Portanto, Nozick não se opõe ao princípio da liberdade de Rawls, com o qual tende a concordar. A sua crítica dirige-se sobretudo ao princípio da diferença. Nozick considera que este princípio é instável e que não é possível cumpri-lo sem violar direitos das pessoas.

O princípio da diferença estabelece um padrão de distribuição: as desigualdades de distribuição da riqueza só são admissíveis se beneficiarem os mais desfavorecidos. Mas, mesmo que as pessoas sejam todas colocadas numa situação de igualdade ideal, acabarão por regressar livremente a uma situação desigual (por exemplo, umas prefeririam investir e trabalhar mais, ao passo que outras prefeririam gozar os rendimentos e trabalhar menos). Ora, de modo a repor o padrão de distribuição inicial, o Estado teria de intervir constantemente, transferindo riqueza dos mais favorecidos para os menos favorecidos (por meio de impostos e de subsídios). Mas, ao tirar a uns, sem o seu consentimento (impostos), para distribuir por outros (subsídios), o Estado estará a desrespeitar a autonomia dos primeiros, violando os seus direitos, pois priva-os de usufruírem livremente do que apenas a eles legitimamente pertence.

Nozick considera que a riqueza pertence sempre a alguém e que não cai dos céus para depois ser repartida. Assim, tudo o que conta, para determinar se uma dada distribuição de riqueza é ou não justa, é apurar se essa riqueza foi adquirida e transferida de umas pessoas para outras de forma legítima, isto é, se ela é fruto do trabalho e do talento de cada um, e não da apropriação indevida.

Rawls e o problema da justiça social
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Rawls e o problema da justiça social

Em resumo:

  • A crítica comunitarista de Sandel visa sobretudo o método da posição original que, segundo ele, não só se baseia numa conceção errada do eu, dá prioridade à justiça sobre o bem.
  • A crítica libertarista de Nozick visa sobretudo o princípio da diferença que, ao estabelecer um dado padrão de distribuição da riqueza, acaba por implicar a violação dos direitos das pessoas. Para Nozick, a justiça não reside na maneira com a riqueza está de facto distribuída, mas antes no modo como se chegou a essa distribuição.

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Ficha Técnica

  • Título: Críticas de Sandel e Nozick à teoria da justiça de Rawls
  • Área Pedagógica: Filosofia
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Aires de Almeida
  • Ano: 2020