O Salão de Paris
Criado em 1667, o Salão de Paris foi dos locais mais relevantes para o reconhecimento de propostas artísticas e dos seus autores entre o século XVII e o século XIX, relevância que encontra também ligada à sua abertura ao público e à afirmação da crítica de arte no século XVIII. Assim se justificam as reacções fervorosas às exclusões por parte dos júris, instituídos desde 1748, que levarão a um lento definhar do Salão de Paris face a circuitos expositivos alternativos, que passavam pelas galerias de arte ou por exposições organizadas por sociedades de artistas.
A primeira edição do que ficará conhecido como Salão de Paris acontece em 1667, decorrendo daí em diante no Salon Carré no edifício do atual Museu do Louvre. Organizado pela Academia Real de Pintura e Escultura francesa, este salão é aberto ao público a partir de 1699. Com cadência regular anual até 1736 e de 1789 em diante, e bienal entre estes anos, o Salão de Paris afirmar-se-á ao longo dos séculos XVIII e XIX como um dos espaços centrais do mundo da arte ocidental.
Desde logo, o Salão de Paris era um dos locais mais relevantes para a distinção dos artistas entre os seus pares e perante o público, sendo por isso aí que se poderia definir o acesso a encomendas e o valor de mercado das suas obras. Mas, antes de mais, os salões representavam o momento a partir do qual se jogavam propostas práticas e teóricas. Por ambas as razões e justificam as reações fervorosas às exclusões por parte dos júris, instituídos desde 1748.
A composição dos júris foi-se alterando ao longo do tempo, oscilando entre a necessidade de uma seleção que pudesse fazer face ao número crescente de obras propostas ao Salão e a defesa da liberdade dos artistas e da supressão de quaisquer hierarquias. O que levaria à abolição dos júris em 1791 e 1848, aceitando-se todas as obras. Debate que se cruza, evidentemente, com a defesa de outras formas de organização política, de base democrática e republicana, e com as revoluções Francesa (iniciada em 1789) e de Fevereiro (1848). De resto, aqui jogava-se a dificuldade aberta entre a recusa de obras e a imposição de valores estéticos, que levará inclusivamente à aceitação alargada de peças a exibir, redundando em exposições cuja montagem final acabaria por se revelar pouco menos que caótica.
Estas disputas em torno das seleções por parte dos júris radicavam também na relevância que o Salão adquirira após a sua abertura ao público e com a afirmação da crítica de arte, possibilitada por uma imprensa em ascensão. Crítica de arte que terá em Denis Diderot (1713-1784) ou Charles Baudelaire (1821-1867) dois dos seus principais protagonistas e na qual estava em causa boa parte do futuro dos autores que ali expunham. Sendo certo que, neste contexto belicoso e como escreveria Honoré de Balzac (1799-1850), Eugéne Delacroix (1798-1863) e Dominique Ingres (1780-1867) seriam reconhecidos tanto pelos elogios, como pelas críticas verrinosas.
Face àquela abertura ao público e à relação da crítica especializada com novas propostas artísticas, registou-se um desajustamento cada vez maior em relação a uma prática e teoria artísticas académicas, que apesar da relevância que terão até finais do século XIX, sensivelmente, tendiam à petrificação sob princípios classicistas. Estavam agora em causa outros juízos, que para além de repensar a pintura enquanto representação da realidade, dependiam ainda da novidade ou da autenticidade, valores que se afirmavam a par do crescimento do mercado da arte, da noção romântica de génio ou das disputas entre uma maior tónica num fazer artístico inato ou passível de ser exercitado.
Entre o amplo espaço de debate fora das paredes do salão proporcionado pela crítica e as exclusões ou inclusões por parte dos júris, foram-se criando as condições para sucessivas ruturas que levariam à sua desagregação em 1890. Para além de um quase cancelamento em 1891, na sequência da Revolução Francesa, ou de uma edição de 1830 sustentada sobre promessas na composição dos júris que nunca foram cumpridas, é em 1863 que se dá uma fratura que, não levando no imediato à extinção do Salão de Paris, anuncia já a sua paulatina perda de relevância.
Neste ano são excluídas, entre outras, pinturas de Édouard Manet (1832-1883) ou Camille Pissarro (1830-1903) ou Gustave Courbet (1819-1877), impedindo a entrada no salão a práticas que se situavam na transição do realismo para o impressionismo e que se vinham afirmando sobretudo a partir de galerias em França e Inglaterra. Napoleão III ordena então a realização do Salão dos Recusados. Aí encontrarão lugar esta novas propostas artísticas e, com elas, uma maior novidade e polémica que concentrará as atenções da crítica e do público.
É portanto perante a sucessiva sedimentação de um circuito de exposições alternativo que o Salão de Paris definhará, sendo que mesmo o Salão dos Recusados não resistindo à organização de exposições por parte dos movimentos vanguardistas. Casos das exposições dos impressionistas, organizadas pela Sociedade Anónima de Cooperativa de Artists Pintores, Escultores e Gravadores, entre 1874 e 1886, como forma de tornear as sucessivas recusas pelos júris do Salão de Paris a autores como Paul Cézanne (1839-1906) ou Claude Monet (1840-1926). Ou do Salão dos Independentes, que se inicia em 1884, onde anos mais tarde virão a ter lugar apresentações fundamentais para a afirmação de novas práticas artísticas, como o Fauvismo ou Cubismo.
Apesar das dificuldades que se lhes colocavam e de os artistas associados à academia francesa permanecerem os mais valorizados pelo mercado da arte, esta reação encontrava-se porém já respaldada pela paulatina afirmação de um circuito galerístico alternativo aos momentos de exibição proporcionados pelo Salão.
Síntese
- Criado em 1667, o Salão de Paris foi dos locais mais relevantes para o reconhecimento de propostas artísticas e dos seus autores entre o século XVII e o século XIX.
- A sua abertura ao público, a atenção da crítica de arte aos salões e as exclusões de novas propostas estéticas motivaram reacções fervorosas às recusas de obras por parte dos júris, instituídos desde 1748.
- Face às exclusões por parte dos júris e ao sedimentar de um circuito de exposições alternativo, o Salão de Paris irá perder a sua centralidade ao longo do século XIX.
Ficha Técnica
- Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira