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O SPN como motor do projeto cultural do Estado Novo

O SPN como motor do projeto cultural do Estado Novo

O SPN, criado em 1933, vai realizar um vasto programa de divulgação da obra e ideário do Estado Novo, sustentado na Política do Espírito de António Ferro. Cria uma imagem do regime onde aliava uma linguagem modernista ao conservadorismo e ruralismo oficiais, mitificando a história e afirmando a excecionalidade nacional. Projeto cultural que incluía a hierarquização social por via do ensino, veiculando igualmente a obediência à figura paternalista do ditador.

Com a aprovação da Constituição da República de 1933 é instituído formalmente o Estado Novo. Logo nesse ano é criado o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), órgão ao qual caberá a prossecução de uma parte importante do projecto cultural do Estado Novo. De 1933 a 1949 o SPN é dirigido por António Ferro, jornalista e escritor que estivera ligado à revista Orpheu, participando assim na divulgação do modernismo em Portugal.

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Apoiante de Sidónio Pais, Ferro manifesta desde cedo a adesão a soluções políticas totalitárias, protagonizando anos mais tarde um conjunto de entrevistas a chefes de estado como Benito Mussolini, Adolf Hitler ou Primo de Rivera, editadas em livro, em 1927, sob o título Viagem à Volta das Ditaduras. Em 1932 realiza uma extensa entrevista a António de Oliveira Salazar, ajudando à afirmação da figura do ditador, onde aborda a necessidade de construir um programa simultaneamente capaz de promover o regime e fomentar as artes no país, à imagem do que sucedia em Itália e na Alemanha.

Ao assumir a tutela do SPN, António Ferro concretiza a Política do Espírito, que pode entender-se como um conjunto de acções a partir do campo cultural que visavam a reeducação dos portugueses sob princípios consonantes com a ideologia oficial estado-novista. Para tal era necessário realizar um vasto programa, cuja base essencial era a divulgação da obra e ideário do Estado Novo. A partir do SPN monta-se uma máquina de propaganda capaz de recorrer eficazmente a novos meios de comunicação, tais como o cartaz, a rádio ou o cinema.

António Ferro, que acompanhara o desenvolvimento dos modernismos em Portugal, vai tentar mobilizar artistas das mais diversas áreas com o propósito de criar uma imagem do regime que conciliasse uma linguagem modernista com o seu conservadorismo e ruralismo oficiais. Assim, a par da encomenda e produção de filmes, cartazes ou programas de rádio, o SPN passa a organizar exposições anuais, as Exposições de Arte Moderna do SPN, onde são instituídos prémios para várias práticas artísticas, ao mesmo tempo que cria prémios literários, simultaneamente promovendo e controlando a produção artística. Mas a sua acção não se esgotava aqui, abrangendo ainda a criação do Teatro do Povo, da companhia de bailado Verde Gaio ou a realização de sessões de cinema ambulante. O SPN envolver-se-á ainda na participação portuguesa em eventos internacionais, como a Exposição Universal de Paris (1937) ou a Feira Mundial de  Nova Iorque (1939).

Ainda que não organizada pelo SPN, esta tentativa de afirmação internacional culminará na organização da Exposição do Mundo Português de 1940, onde se sintetizam os princípios sob os quais se orientava o projecto cultural do Estado Novo. Desde logo, uma mitificação da história que passava pela celebração do duplo centenário da fundação de Portugal (1143) e da restauração da independência (1640), a que se juntava a glorificação do movimento de expansão dos séculos XV e XVI, enaltecendo o próprio Estado Novo como sucessor e garante da integridade da nação e do império.

Exposição do Mundo Português
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Outro aspecto fundamental da Exposição e do ideário do regime residia na tipificação do mundo rural português, que aliás se estenderia às colónias. Contudo, no caso de Portugal pretendia reforçar uma excepcionalidade nacional, uma essência etnográfica da ruralidade portuguesa na qual os portugueses se pudessem rever. De resto, esta tipificação era já fundamental para o desenvolvimento de eventos e rotas turísticas promovidas pelo SPN, encontrando nas Casas do Povo um pólo fundamental para a recolha de objectos que sustentassem o levantamento etnográfico do país.

Por fim, a encenação arquitectónica que teve lugar nesta exposição prolongava-se na tentativa de harmonização dos edifícios ligados ao aparelho de estado, como tribunais, escolas ou mesmo os CTT, afirmando claramente a presença do Estado em todo o território. Esta preocupação com o edificado cruzava-se ainda com o extenso programa de intervenção sobre o património da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, onde se aliou a mitificação histórica à tipificação de modelos arquitectónicos.

No entanto, o projecto cultural do Estado Novo deve ser considerado de modo mais abrangente, sendo indissociável de uma primeira hierarquização social por via do ensino, onde a baixa escolaridade obrigatória, a separação entre géneros e a divisão dos percursos escolares entre ensino técnico e liceal garantiam a estratificação. Neste capítulo, a fundação da Mocidade Portuguesa será igualmente determinante para o inculcar do ideário do regime, condensado na obediência à figura paternalista do ditador António de Oliveira Salazar.

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Síntese:

  • O SPN realiza um programa de propaganda à obra e ideário do Estado Novo.
  • A actuação do SPN é sustentada na Política do Espírito de António Ferro.
  • O SPN tentar sintetizar uma linguagem modernista com o conservadorismo e ruralismo oficiais.
  • O projecto cultural do Estado Novo mitifica a história e afirma a excepcionalidade nacional.

Temas

Ficha Técnica

  • Área Pedagógica: Portugal: o projeto cultural do Estado Novo
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Associação dos Professores de História/André Silveira
  • Ano: 2021
  • Imagem: António Oliveira Salazar e António Ferro