Turistificação
A turistificação não deve ser confundida com a simples expansão das funções turísticas num dado território. Para além do significado do conceito de turistificação, importa explicitar as características associadas ao fenómeno, bem como as consequências positivas e negativas para as comunidades de destino turístico e seus habitantes. Neste contexto, é igualmente importante compreender a relação que se estabelece entre gentrificação e turistificação, gerando a gentrificação turística.
As cidades sempre foram importantes destinos turísticos e o turismo sempre desempenhou uma função chave na organização da economia e sociedade urbanas, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.
Embora não consensual, o conceito de turistificação exprime a expansão significativa e hegemónica do turismo num território, quer do ponto de vista da oferta de serviços e equipamentos, incluindo alojamento nas várias modalidades, quer do ponto de vista da procura da cidade como destino para viagens de recreio, pressionando a capacidade de carga turística desse território.
Tal significa uma hiperespecialização da economia e do tecido social de um território no setor do turismo – monofuncionalismo, ao ponto de o tornar mais dependente do exterior e mais sensível à volatilidade da procura turística internacional, à sazonalidade, a crises externas do setor ou a fenómenos extremos e, por conseguinte, a catástrofes e riscos naturais, atos de terrorismo, instabilidade geopolítica, epidemias e pandemias (ex.COVID19).
O turismo urbano tem conhecido grande expansão no início do século XXI, mas o excesso turístico enquanto fenómeno massificador e hegemónico em cidades como Amesterdão, Barcelona, Lisboa, Veneza, é um fenómeno recente (Fig.1,2,3,4).
Comummente tem-se considerado que a expansão da turistificação no centro histórico destas cidades deve-se à conjugação de diversos fatores:
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o recurso a plataformas de reserva online (Booking.com, Airbnb, Windu, Homeaway, etc) permitindo uma híper-escolha adaptada ao perfil do consumidor;
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o contínuo embaratecimento da mobilidade internacional, nomeadamente através da expansão das companhias aéreas low cost;
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o aumento da procura global por estabelecimentos turísticos alternativos, localizados em bairros típicos do centro histórico, conferindo maior autenticidade e experiência local à estadia, segundo o desejo de cosmopolitismo do turista;
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no caso de Lisboa, a falta de oferta hoteleira no centro histórico da cidade, onde, em contrapartida, se regista um elevado número de edifícios devolutos;
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a perceção de rentabilidades mais elevadas no alojamento turístico (alojamento local) do que no arrendamento de longo prazo.
Em nome da turistificação, realiza-se a reabilitação de prédios desocupados, a modernização das avenidas, da cidade, mas o preço de arrendamento no mercado imobiliário aumenta exponencialmente, multiplicando as ações de despejo de moradores vulneráveis e o encerramento de lojas históricas, mediante desalojamentos residenciais e comerciais que levam à destruição da tradição e autenticidade nos bairros históricos da cidade.
Graças ao turismo urbano, dinamiza-se a economia local, muitos habitantes são lançados no negócio de arrendamento de quartos e muitos jovens dão os primeiros passos no mercado de trabalho, mas nem sempre com direitos e rendimento acima da média.
Assim, o turismo urbano pode ser um motor de regeneração para a preservação do património arquitetónico e para a reabilitação de edifícios, bem como contribuir para a criação de emprego, mas a ausência de uma estratégia de planeamento turístico e urbano concertada, juntamente com o quase inexistente processo de regulação, tem consequências nefastas:
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a privatização e embelezamento do espaço público para áreas comerciais e esplanadas, criando espaços de consumo que subtraem espaço público aos habitantes;
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o overtourism ou a massificação turística que degrada a própria experiência do turista e a qualidade de vida da população residente;
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problemas ambientais (poluição sonora e atmosférica) nas ruas ou junto aos aeroportos ou terminais de cruzeiros;
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a sobrelotação dos transportes públicos;
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a acumulação de lixos e resíduos urbanos que a rede de recolha não consegue escoar;
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o encerramento do comércio local tradicional de bens de primeira necessidade (mercearia, talho, peixaria, minimercado, etc), substituído pelo comércio moderno exclusivamente dirigido a turistas (hamburguerias gourmet, lojas de souvenirs, ateliers, etc);
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o desvio do alojamento clássico de habitação para o alojamento local para turistas que, ao reduzir a oferta de casas para venda ou arrendamento, eleva os preços para aquisição de casa própria, gerando gentrificação turística.
A gentrificação turística dá-se mediante a substituição gradual das funções tradicionais da habitação permanente, arrendamento a longo prazo e o comércio local tradicional pela função de recreação, lazer ou alojamento turístico/arrendamento de curta duração. A população original é desalojada e/ou impede-se a população de baixo estatuto socioeconómico de aceder à habitação nessas áreas – segregação residencial -, colocando em risco a sustentabilidade social do centro histórico.
SÍNTESE
- A turistificação significa uma especialização dominante de um território no turismo, quer do ponto de vista da oferta de serviços e equipamentos, quer do ponto de vista da procura, aumentando a dependência da economia local relativamente a esse setor.
- Os fatores que explicam a turistificação prendem-se com a expansão das plataformas online de alojamento turístico, das rotas das companhias aéreas lowcost e de novas procuras turísticas em estabelecimentos do centro histórico da cidade, entre outros.
- As principais consequências positivas são: criação de riqueza e de emprego direto e indireto, dinamização do comércio e serviços e reabilitação urbana.
- As consequências negativas são: overtourism ou massificação turística, distorções no mercado de habitação e gentrificação, privatização do espaço público, agravamento de problemas ambientais (poluição sonora e atmosférica), entre outras.
Ficha Técnica
- Área Pedagógica: População e Povoamento - Os espaços organizados pela população / As dinâmicas internas das áreas urbanas
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Associação de Professores de Geografia
- Ano: 2021
- Imagem: Transporte de turistas no centro de Lisboa, ab07 / flickr