Fernando Pessoa e a Coca-Cola: a história de um slogan icónico
O poeta dos heterónimos também foi um criativo. E uma frase ficou dos tempos em que emprestava o génio a campanhas publicitárias. Escrita para o lançamento da Coca-Cola, terá ajudado a que a bebida castanha e açucarada fosse banida de Portugal. "Primeiro estranha-se, depois entranha-se" continha níveis de toxicidade intoleráveis para o Estado Novo de Salazar. Toda a história contada aqui.
Estão praticamente cem anos volvidos desde que esta história aconteceu. Ainda Fernando Pessoa não era o poeta celebrado que é hoje, nem a Coca-Cola o refrigerante mais famoso do mundo. A bebida castanha, açucarada e gaseificada já circulava por certos cafés portugueses, quando a marca americana quis entrar oficialmente no país.
A primeira e única agência de publicidade que então existia, a Hora, encomendou um slogan a um certo colaborador, habituado aos desafios da escrita e com – podemos dizer – especial inclinação para fazer versos. Não era poesia o pretendido, mas o génio de Pessoa manifestou-se também no ramo publicitário com quatro palavras a formar uma frase inovadora e exemplar das regras exigidas a uma boa campanha. “Primeiro estranha-se. Depois, entranha-se.”, sintetizava na perfeição a experiência que esta bebida, inventada sob a fórmula de xarope estimulante, numa farmácia em Atlanta, podia proporcionar.
De desejada a fruto proibido, a Coca-Cola conheceu nos anos 20 a primeira grande concorrente em Portugal. Chamava-se censura e terá sido acionada por esta mesma frase, que causou estranheza ao diretor de Saúde de Oliveira Salazar. Para Ricardo Jorge, o produto era uma espécie de droga, assumida desde logo no nome e cuja toxicidade o slogan de Fernando Pessoa parecia evocar.
O médico higienista recomendou a retirada imediata do mercado; decisão que serviria também para proteger os interesses comerciais dos produtores de vinho e as poucas marcas nacionais de refrigerantes. Recusada pela ditadura, a Coca-Cola esperou quase 50 anos para se entranhar nos hábitos dos portugueses. Foi depois da revolução de Abril fazer da liberdade um valor absoluto e fundamental.
Ficha Técnica
- Título: Nada será como Dante
- Tipologia: Extrato de Programa Cultural - Reportagem
- Produção: até ao Fim do Mundo
- Ano: 2019