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Poesia Lírica de Luís de Camões

Poesia Lírica de Luís de Camões

A lírica camoniana compreende um conjunto de poesias muito diversificadas tanto a nível temático como a nível formal. Distribuem-se por composições de medida velha, integradas na tradição da lírica peninsular, e composições de medida nova, que adotam as formas que chegaram a Portugal vindas de Itália. Os temas tratados são muito variados e ricos. Entre eles, podemos destacar a mulher, o amor, o desconcerto do mundo, a natureza e a reflexão sobre a vida pessoal.

Resumo

A poesia camoniana reúne temáticas e modelos da lírica peninsular cultivados nos séculos XV e XVI (sendo típicas as composições em medida velha) e as influências modernas, oriundas em particular de Itália (com as composições em medida nova).

Em termos formais, as composições de índole tradicional (vilancetes, cantigas, esparsas, endechas ou trovas) são estruturadas em redondilha menor (versos de cinco sílabas métricas) ou em redondilha maior (versos de sete sílabas métricas). De modo particular, os vilancetes têm um mote de dois ou três versos e glosas de sete versos (normalmente) e as cantigas, um mote de quatro ou cinco versos e glosas de oito, nove ou dez versos. Os poemas associados à corrente tradicional tratam temas muito diversificados, alguns dos quais coincidentes com os da corrente clássica. O vilancete “Descalça vai para a fonte”, a cantiga “Foi-se gastando a esperança” ou a esparsa “Os bons vi sempre passar” são exemplos de composições construídas de acordo com a técnica tradicional de versejar.

As composições de influência clássica, normalmente em medida nova, com o verso decassilábico (10 sílabas métricas), têm também uma grande variedade estrófica (soneto, canção, écloga, elegia ou ode). Em particular o soneto, com a sua forma fixa de duas quadras e dois tercetos e versos decassilábicos, foi muito cultivado por Camões, que o adotou para o tratamento de temáticas muitos diversificadas. Disso são exemplo “Amor é fogo que arde sem se ver”, “Quem pode livre ser, gentil Senhora”, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” ou “Erros meus, má fortuna, amor ardente”.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, de Luís de Camões
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Temática e Texto

• A mulher

Seguindo o cânone petrarquista, a mulher em Camões tem cabelos louros, pele clara, olhos verdes ou azuis e um «honesto riso», tal como se descreve em “Ondados fios d’ ouro reluzente”. O poeta canta, porém, mulheres que derrogam o modelo canónico: nas “Endechas a Bárbara escrava”, é louvada a beleza da mulher de cabelo preto e de tez negra a que o sujeito lírico se rende. Num registo tradicional, encontramos igualmente as jovens caracterizadas por uma graça tradicional e rústica, espelhada inclusive na simplicidade do seu vestuário. A cantiga “Descalça vai pera a fonte” traz a beleza natural de Leonor, que não deixa de ter traços da mulher petrarquista.

• O amor

O amor em Camões é fonte de contradição: o poeta sente-se dividido entre a razão e os sentidos, entre a felicidade suprema e o sofrimento atroz. Trata-se de um sentimento marcado pela dualidade, como expressa o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, onde o poeta confessa que «É ferida que dói e não se sente». Este é um sentimento que o poeta procura de forma insistente, mas que lhe traz constantemente dor e sofrimento: “Amor nunca vi/ que muito durasse, / que não magoasse”.

As visões do amor em Camões são polifacetadas. Entre elas, o neoplatonismo tem uma presença relevante, sendo associado a um conceito de amor idealizado, que permite acesso a uma realidade extraterrena. A mulher é um ser imaginado que o poeta não vê com os olhos, mas com a alma (soneto “Vejo-a n’alma pintada”). Daqui resulta um amor marcado pela ausência dos sentidos e pela presença espiritual, que o poeta refere como «vivo e puro amor». Porém, o mesmo poeta que cultiva uma visão neoplatónica do amor, noutros momentos cede à pulsão dos sentidos e assume a importância da materialidade no sentimento amoroso. É esta dualidade que está presente no soneto “Pede o desejo, dama, que vos veja”, no qual se assume a naturalidade do desejo.

“Amor é um fogo que arde sem se ver”, de Luís de Camões
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• Reflexão sobre a vida pessoal

A biografia do poeta, real ou fantasiada, constitui-se como matéria poética. O sujeito concebe-se como um ser perseguido pelo destino cruel, resumindo a sua vida a um conjunto de “Erros [meus], má fortuna, amor ardente”. Um percurso biográfico marcado pela infelicidade que acaba por levar o poeta ao cansaço resultante da passagem de uma vida amarga (“Oh! como se me alonga de ano em ano”) ou ao desespero total, presente no desabafo que abre o soneto “O dia em que eu nasci, moura e pereça”.

Quem és tu Luís Vaz de Camões?
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• A natureza

A natureza é um espaço físico onde se projeta o estado de espírito do poeta. Concebida como locus amoenus, um espaço bucólico marcado pela verdura, pelo arvoredo denso, pelo policromatismo, pelos sons da água corrente e do canto dos pássaros, espelha a felicidade do sentimento amoroso e o equilíbrio espiritual, como ilustram “A fermosura desta fresca serra” ou “Alegres campos, verdes arvoredos”.

A natureza é, todavia, também reflexo do desconcerto do poeta. De espaço de plena felicidade a enquadramento de sofrimento pungente, esta metamorfoseia-se em locus horridus, transformação anunciada nos versos «Semearei em vós lembranças tristes, / Regando-vos com lágrimas saudosas, / e nascerão saudades de meu bem». A natureza passa, assim, a ser vista como espaço de horror onde o sujeito projeta a sua tristeza e dor.

• Desconcerto do mundo

O desequilíbrio do mundo onde se vive é tema de reflexão para o poeta que o vê como um espaço de absurdo, onde o mal triunfa sobre o bem (como denuncia em “Os bons vi sempre passar”) e onde já nada muda como costumava: «Tem o tempo sua ordem já sabida; / o mundo, não; mas anda tão confuso, / que parece que dele Deus se esquece».

“Os Lusíadas”, de Luís de Camões
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“Os Lusíadas”, de Luís de Camões


Bibliografia Sumária:

Camões, Luís de (1984) Rimas. Texto estabelecido e prefaciado por Álvaro da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994.

Cunha, Maria Helena Ribeiro da (1989) A dialética do desejo em Camões. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda.

Reis, Carlos (dir.) (1999) História Crítica da Literatura. Vol. II, Humanismo e Renascimento por José Augusto Cardos Bernardes, Lisboa, Editorial Verbo.

Reis, Carlos (2015) Rimas e Os Lusíadas, Luís de Camões. Porto, Porto Editora.

Silva, Vítor Aguiar e (coord.) (2011) Dicionário de Luís de Camões. Alfragide, Editorial Caminho.

Sumário

  • A lírica camoniana tem composições em medida nova e em medida velha.
  • Os temas centrais da lírica camoniana são o amor, a mulher, a natureza, o desconcerto do mundo e a reflexão sobre a vida do poeta.
  • O amor é um tema marcado pelo conflito entre a razão e os sentidos.
  • A mulher é associada a vários modelos em Camões.
  • A natureza é o espaço de projeção dos sentimentos do poeta.

Temas

Ficha Técnica

  • Título: Lírica de Luís de Camões
  • Área Pedagógica: Português - Educação Literária
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Carla Marques/ Associação de Professores de Português (APP)
  • Ano: 2021