Domenico Scarlatti, fazer música com poderes mágicos

Dom João V chamou-o para mestre da Capela Real, a infanta Maria Bárbara aprendeu com ele os segredos do cravo e Blimunda curou-se ao ouvi-lo tocar as famosas sonatas. Domenico Scarlatti, o senhor Escarlate em “Memorial do Convento”, era um estrangeiro na corte portuguesa com reputação de em tudo ser excelente. A música que dele nascia é arte que arrebata nas páginas do romance de José Saramago. Aqui a vamos escutar.

Quando Domenico Scarlatti chegou a Lisboa, em 1719, era já um prestigiado compositor, o melhor entre os melhores dos músicos italianos que circulavam nas cortes europeias. D. João V contratou-o para ser o responsável de toda a música da Capela Real e, ao mesmo tempo, professor da princesa Maria Bárbara. Ao fim de nove anos de brilhantes execuções e criações ao serviço do monarca português, o mestre napolitano muda-se para Madrid a pedido desta filha mais velha do rei, a sua mais fiel pupila, agora casada com Fernando VI de Espanha.

As lições de cravo continuaram na capital espanhola e é neste período, que Scarlatti compõe para cima de quinhentas sonatas, um andamento apenas, mas capaz de tais “harmonias celestes” que José Saramago a elas recorreu em Memorial do Convento para embalar Blimunda na doença e, miraculosamente, a curar. 

Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas
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O senhor Escarlate – assim o chamam também nesta ficção histórica – “homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e firme, olhos afastados” um dia “retirou o pano de vela que cobria o cravo, sentou-se e começou a tocar, branda, suave música que mal ousava desprender-se das cordas feridas de leve, vibrações subtis de inseto alado que, imóvel, paira, e de súbito passa de uma altura a outra, acima, abaixo, não tem isto que ver com os movimentos dos dedos sobre as teclas, como se uns aos outros se andassem perseguindo, não é deles que nasce a música, como poderia ser se o teclado tem uma primeira tecla e uma última tecla, e a música não tem fim nem princípio (…)”. 

Esta música “porventura a medicina que Blimunda esperava”, foi ele “durante uma semana, todos os dias, (…) tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para levantar-se, sentava-se ao pé do Cravo, pálida ainda, rodeada de música como se mergulhasse num profundo mar, diremos nós que ela nunca por aí navegou. (…) Depois a sua saúde voltou depressa.” 

Saímos do romance de Saramago para entrar neste mundo encantatório das sonatas barrocas de Scarlatti. Não sem antes conhecermos no excerto do programa que abre este artigo, uma peça de Pietro Giorgio Avondano, outro músico contratado por D. João V, o rei sol português considerado o maior mecenas da Europa setecentista, com dinheiro para fazer uma política cultural que lhe trouxesse prestígio e fizesse da sua corte um centro cosmopolita de referência e de afirmação do seu poder.

Como melómano que era, apreciador sobretudo de música sacra, concentrou no Real Convento de Mafra uma exuberante produção musical, “depois copiada no país todo”, sublinha o musicólogo Rui Vieira Nery nesta edição especial do programa Câmara Clara.

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Temas

Ficha Técnica

  • Título: Percursos da Música Portuguesa
  • Tipologia: Excerto de Documentário de Cultura Geral
  • Autoria: Jorge Matta
  • Produção: Valentim de Carvalho - Televisão, Lda.
  • Ano: 2008
  • Título - 2.º Vídeo : Câmara Clara - Edição Especial
  • Tipologia: Excerto de Programa Cultural
  • Autoria: Paula Moura Pinheiro
  • Produção: RTP
  • Ano: 2010