“Cancioneiro Geral”, de Garcia de Resende
Da saudosa poesia trovadoresca, herdou os temas: a coita de amor, a súplica triste e apaixonada… Mas inovou, apresentando uma mulher mais visível, mais sensual. A poesia palaciana, com traços líricos e satíricos, será o espelho dos serões no paço, dará a visão social do Portugal dos séculos XV e XVI. Eis o Cancioneiro Geral.
Resumo
O Cancioneiro Geral, produção poética do lirismo palaciano, resulta da compilação realizada por Garcia de Resende e publicada em 1516. O cancioneiro apresenta composições líricas e satíricas que se situam entre 1450 e 1516, reunindo cerca de 1000 textos poéticos, de diferentes autores, dos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I.
A obra vai ser o espelho dos costumes sociais da época, refletindo as transformações políticas, económicas e sociais de Portugal entre os séculos XV e XVI. Desta forma, servirá como documento de uma época, perpetuando, através da literatura, a vida do Portugal de então. Para além do interesse histórico, salienta-se o interesse etnográfico, uma vez que as composições poéticas se centram nos serões do paço. Por outro lado, regista-se o interesse artístico, mostrando a perfeição formal com que os poetas trabalhavam a palavra.
Do ponto de vista lírico, as composições vão apresentar influências de Dante e Petrarca. Do primeiro, vão recordar e viver o sentimento amoroso para além da morte.
Do segundo, algumas composições associam a natureza aos desgostos de amor. Esta inspiração em modelos italianos vai sobrepor a designação de poeta à de trovador, a primeira mais associada ao homem culto e a segunda menos dependente da formação académica.
Do ponto de vista formal, predomina a redondilha maior, podendo, no entanto, encontrar-se a redondilha menor em algumas composições. Motes, vilancetes, cantigas e esparsas aparecem na obra. Manifesta-se a presença das rimas, dos acrósticos, dos trocadilhos, das antíteses e das anáforas. Estamos perante uma poesia engenhosa, de um trabalho rebuscado com a palavra.
Temática e texto
No reinado de D. Afonso V impulsiona-se a renovação cultural e ressurge a poesia embora separada da música, distanciando-se, desta forma, da lírica trovadoresca. A vida na corte contribuiu para o aparecimento de atividades de lazer e a poesia assume uma função lúdica e de convívio social. Ao nível dos temas, apresenta-se a crítica social da vida quotidiana, através da poesia satírica como é o caso do poema “Contra as molheres” de Jorge de Aguiar; retomam-se temas relevantes da história de Portugal, como é exemplo o poema “As trovas à morte de Inês de Castro” de Garcia de Resende; mas, acima de tudo, privilegia-se a temática amorosa próxima do amor cortês, assente na dor de amor ou na morte por amor.
Neste âmbito, os olhos surgem, muitas vezes, como o espelho da alma, vão desempenhar uma função importante, substituindo as palavras no que diz respeito ao sofrimento amoroso. Desta forma, surgem muitas vezes personificados e associados à ideia da partida, de afastamento, de tristeza. Salienta-se a Cantiga, sua partindo-se, de João Roiz de Castel-Branco, onde se apresenta o sentimento de tristeza decorrente da partida, expressa no mote e desenvolvida na glosa. O eu-poético faz uma interpelação ao destinatário, apelando à comoção da amada. Adota uma postura de dependência a fazer lembrar as cantigas de amor.
Realçam-se os dois primeiros versos do mote, pois neles estão presentes todos os vocábulos que traduzem a ideia essencial do poema: “Senhora, partem tam tristes / meus olhos por vós, meu bem,”. A expressão obsessiva do sofrimento é acentuada com o recurso ao paralelismo anafórico na glosa “tam tristes” / “tam saudosos” /”tam doentes da partida”. Simultaneamente, a adjetivação expressiva, de cariz hiperbólico, complementa a expressão dos olhos que partem, que se afastam e por esse motivo ficam tristes, saudosos, doentes, cansados, chorosos, desejosos da morte. À medida que se avança para o final da glosa, retoma-se a hipérbole presente no mote “que nunca tam tristes vistes / outros nenhuns por ninguém”, evidenciando o sofrimento do sujeito poético face à separação da amada e atribuindo, desta forma, uma estrutura circular ao poema.
Bibliografia Sumária:
Dias, Aida Fernandes (1993). Cancioneiro Geral. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Dias, Aida Fernandes (1998). História Crítica da Literatura Portuguesa, vol. I. Lisboa/Saõ Paulo: Editorial Verbo.
Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira (volume V). Editorial Enciclopédia Lda: Lisboa/Rio de Janeiro.
Lapa, Rodrigues.M. (1981). Lições de Literatura Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora Lda.
Sumário
- Os serões no paço como reflexo do espírito de uma época.
- Lirismo amoroso: da coita de amor à morte por amor.
- Rasgos da poesia trovadoresca na poesia palaciana do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
Temas
Ficha Técnica
- Título: Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende
- Área Pedagógica: Português - Educação Literária
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Carla Silva/ Associação de Professores de Português (APP)
- Ano: 2021