O problema da definição de arte
A definição de "arte" abrange uma vasta gama de expressões humanas, desde pinturas e esculturas até filmes e poemas, mas o que une essas formas tão diversas sob um mesmo conceito? Compreender o que torna algo uma obra de arte exige mais do que reconhecer exemplos óbvios; é necessário identificar as características essenciais que todas as obras de arte compartilham.
A palavra «arte» é usada em diversas épocas e culturas para referir uma classe muito vasta e diversificada de coisas, que inclui pinturas, desenhos, esculturas, edifícios, livros, poemas, canções, encenações teatrais, filmes, vasos, tapetes, fotografias, etc. Mas o que justifica que usemos o mesmo termo — arte — para referir coisas aparentemente tão diferentes? Haverá algo que, apesar dessas diferenças, seja comum a todas as coisas a que chamamos arte? Muitos pensam que sim, que há características comuns a todas as obras de arte, e que só as obras de arte partilham entre si. Definir o conceito de arte consiste, então, na identificação correta dessas características.
A ideia é que a aplicação competente do conceito de arte a objetos particulares depende de dispormos de uma boa definição, isto é, de uma definição que, respeitando os usos habituais do conceito, seja verdadeira e também informativa, permitindo-nos reconhecer mesmo os exemplos menos óbvios de obras de arte.
Apesar de haver muitos exemplos claros de obras de arte que todos reconhecem sem dificuldade, o dinamismo da atividade artística, sobretudo no último século, tem-nos deixado frequentemente surpreendidos, a ponto de perguntarmos: mas será que este objeto diante de nós é mesmo arte? O que, por sua vez, nos leva a outra questão mais básica: afinal o que é arte? O que geralmente se pretende como resposta é uma boa definição.
Definições explícitas
Há diferentes tipos de definições, mas o que se tem aqui em mente é proporcionar uma boa definição explícita.
- A definição explícita de um dado conceito consiste na explicitação de condições necessárias e suficientes que algo (uma coisa, um acontecimento, etc.) tem de satisfazer para que o conceito em causa se lhe aplique corretamente.
A totalidade das coisas a que o conceito corretamente se aplica é o que se chama a extensão do conceito. Assim, a extensão do conceito de arte é o conjunto de todas as obras de arte, isto é, o conjunto de todas as coisas ou acontecimentos a que o conceito de arte apropriadamente se aplica (por vezes enganamo-nos e chamamos arte a coisas que não são arte, caso em que aplicamos o conceito de forma inapropriado ou incorreta).
Uma boa definição de arte tem de se aplicar de forma correta a todas as obras de arte, sem exceção, e a nada que não seja arte. Por isso é que uma definição explícita inclui não apenas condições necessárias, mas também suficientes.
Mas o que são exatamente condições necessárias e condições suficientes?
Condições Necessárias da Arte (o que toda a arte tem) | Condições Suficientes da Arte (o que só a arte tem) |
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Tudo o que é arte tem X. | Tudo o que tem X é arte. |
Se algo é arte, então tem X. | Se algo tem X, então é arte. |
Se algo não tem X, então não é arte. | Se algo não é arte, então não tem X. |
Contraexemplos
- Condições Necessárias: Algo que não tenha X e seja arte na mesma.
- Condições Suficientes: Algo que não seja arte e tenha na mesma X.
As condições necessárias dizem respeito àquelas características que todas as obras de arte, sem exceção, têm. Isso implica que não é arte qualquer objeto que não possua essas características. Por exemplo, se imitar alguma coisa for uma condição necessária da arte, então nada que não imite será arte. Assim, dizer que imitar alguma coisa é uma condição necessária para algo ser arte equivale a dizer o seguinte:
- Tudo o que é arte imita alguma coisa.
- Se algo é arte, então imita alguma coisa.
- Se algo não imita alguma coisa, então não é arte.
Se não concordarmos que a imitação é uma condição necessária da arte, teremos então de apresentar algum contraexemplo, isto é, de apresentar pelo menos um exemplo de algo que seja claramente arte e que não imite seja o que for. Isto permite mostrar que nem toda a arte imita e que, portanto, a imitação não é uma condição necessária da arte. Mas nem sempre os contraexemplos são óbvios, pelo que não basta apontar para algo e encerrar o debate. É também preciso argumentar e esclarecer o próprio conceito de imitação em causa.
Condições suficientes
Por sua vez, as condições suficientes dizem respeito àquelas características que apenas o que é arte, e nenhuma outra coisa, possui. Isto significa que basta uma coisa possuir essa característica para ser arte. Por exemplo, se a imitação for uma condição suficiente para algo ser arte, então qualquer coisa que imite algo será arte. Assim, dizer que a imitação é uma condição suficiente para algo ser arte equivale a dizer o seguinte:
- Tudo o que é uma imitação é arte.
- Se algo é uma imitação, então é arte.
- Se algo não é arte, então não é uma imitação.
Mas se não concordarmos que a imitação é uma condição suficiente da arte, então teremos de apresentar algum contraexemplo, isto é, apresentar pelo menos um exemplo claro de algo que seja arte e, mesmo assim, não imite seja o que for. Isto permite mostrar que não basta imitar para algo ser arte e, portanto, que a imitação não é uma condição suficiente da arte.
Muitas vezes a condição suficiente acaba por ser o conjunto das condições necessárias. Nesse caso, cada uma das condições indicadas é individualmente necessária, sendo as condições necessárias conjuntamente suficientes.
Em resumo:
- A extensão do conceito de arte inclui uma enorme diversidade de coisas aparentemente muito diferentes entre si.
- Há quem defenda que deve haver alguma característica ou conjunto de características comuns a todas essas coisas, e só a elas, que explique que todas elas sejam classificadas como arte.
- Explicitar essas características, que são necessárias e suficientes, é apresentar uma definição explícita do conceito de arte: uma definição que seja verdadeira e informativa.
Temas
Ficha Técnica
- Título: O problema da definição de arte
- Área Pedagógica: Filosofia
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Aires de Almeida
- Ano: 2020
- Imagem: Foto de Sharon McCutcheon no Pexels