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O método científico: indutivismo e falsificacionismo

O método científico: indutivismo e falsificacionismo

Na resposta sobre se a ciência tem um método, encontramos duas vertentes: por um lado a perspetiva indutivista e o método experimental e, por outro uma visão não indutivista com um método de conjecturas e refutações.

HÁ UM MÉTODO CIENTÍFICO? 

 Como se faz ciência? Há regras, princípios ou modos de proceder e de raciocinar que orientem a atividade científica? De modo mais simples: há um método científico? Muitos cientistas e filósofos da ciência acreditam que sim, que há um método científico. Contudo, discordam sobre quais sejam exatamente esses princípios e discordam, em particular, sobre qual o tipo de raciocínio que caracteriza esse método. Há quem considere que o método científico assenta essencialmente no raciocínio indutivo, sublinhando que as leis científicas resultam de generalizações indutivas e que o carácter ampliativo da ciência, que nos permite fazer previsões rigorosas, resulta da indução. Mas há também quem considere, como Popper, que o método científico assenta antes no raciocínio dedutivo, sublinhando que, em vez de procurarem provas a favor de afirmações gerais, os cientistas procuram antes ser críticos, no sentido de encontrar falhas nas teorias disponíveis, de modo a substituí-las por outras teorias melhores. 

 A perspetiva indutivista e o método experimental 

 A perspetiva indutivista da ciência está associada à própria origem da ciência moderna,  nomeadamente à defesa, por parte do filósofo Francis Bacon, de uma investigação científica organizada. Daí surgiu a ideia do chamado método experimental, que muitos cientistas dizem pôr em prática quando levam a cabo as suas investigações. Ao seguir o método experimental tradicional, é suposto que o cientista desenvolva hipóteses que permitam formular leis gerais, a partir da observação cuidadosa de factos particulares. Ora, é precisamente o raciocínio indutivo que permite passar da observação de factos particulares para hipóteses que incluam enunciados gerais (ou com um grau de generalidade cada vez maior).  

 Além disso, as hipóteses precisam ainda de ser testadas, de modo a verificar se elas se confirmam ou se, pelo contrário, terão de ser revistas. Os cientistas recorrem então à experimentação — daí o nome de método experimental —, fazendo repetidamente experiências em condições ideais de observação. Se as múltiplas experiências realizadas estiverem de acordo com a hipótese avançada, nomeadamente com as previsões feitas com base nela, conclui-se que tal hipótese sai confirmada e que os enunciados gerais nela contidos devem ser encarados como leis científicas. Mais uma vez, este processo de confirmação, que decorre da realização de experiências repetidas, assenta no raciocínio indutivo: parte-se de uma série mais ou menos longa de resultados experimentais concordantes para se concluir que estamos perante uma lei geral 

 A perspetiva falsificacionista e o método das conjecturas e refutações 

 Esta perspetiva indutivista do método é rejeitada por alguns filósofos da ciência, como Popper. Ele considera que os cientistas não partem da observação para depois formularem hipóteses ou explicações gerais. Argumenta, ao invés, que 

  

  1.  a própria observação é, desde o início, enquadrada por algum tipo de expectativa, teoria ou hipótese prévia, caso contrário os cientistas não saberiam exatamente o que observar; isto significa que a observação pura, ou teoricamente neutra, não existe e que ela está inevitavelmente contaminada pela teoria; 
  2.  por outro lado, os cientistas apresentam teorias explicativas acerca de coisas ou acontecimentos inobserváveis, como a origem do Universo, a extinção dos dinossauros, buracos negros, forças magnéticas e partículas subatómicas; mais uma vez, aqui também não há como partir da observação de casos particulares; 
  3.  a própria indução carece de uma justificação lógica independente, como defendera Hume, uma vez que o raciocínio indutivo pressupõe o funcionamento regular e uniforme da natureza, o que, por sua vez, é estabelecido indutivamente; isto significa que se justifica esse tipo de raciocínio com o próprio raciocínio que está em causa, pelo que a justificação apresentada não passa de uma petição de princípio, o que não pode servir como fundamento do conhecimento científico.   

 

Popper evita, então, o problema da indução concluindo que a ciência é dedutiva e não precisa realmente da indução. Ele vê a ciência como uma atividade racional que, em vez de partir de observações particulares para chegar a leis gerais, começa antes por algum tipo de problema ou expectativa frustrada. O cientista procura solução para esse problema elaborando conjecturas ou especulações teóricas sujeitas a revisão. A experimentação, por sua vez, também não serve para confirmar teorias ou enunciados universais. Tal como a observação, a experimentação serve antes para testar as conjecturas, no sentido de procurar refutá-las (falsificá-las). Por isso Popper descreve o método crítico da ciência como o método das conjecturas e refutações. Daí esta perspetiva ser designada falsificacionista. A ideia é a seguinte: as hipóteses ou teorias incluem certas previsões que os cientistas irão testar recorrendo à experimentação; se aquilo que a teoria prevê não ocorrer, ela é refutada e o cientista terá de a substituir por outra melhor. Mas se ocorrer o que está previsto, o cientista não se pode dar por satisfeito, tendo de conceber outras experiências que possam falsificar a teoria. O raciocínio em que assenta a falsificabilidade é o seguinte: 

Se a teoria é verdadeira, então ocorre o que é previsto por ela. 

Mas não ocorre o que é previsto pela teoria. 

Logo, a teoria é falsa. 

Este raciocínio exemplifica a forma lógica do modus tollens 

  P 

¬P 

Logo, ¬T 

 Esta é uma forma dedutivamente válida, sendo nela que assenta o processo de refutação teórica que caracteriza o falsificacionismo e, segundo Popper, a própria ciência. Em contrapartida, do facto de as experiências terem como resultado o que é previsto pela teoria, nada se segue logicamente. Por isso, a ciência recorre ao raciocínio dedutivo e não ao indutivo. 

Em resumo:

  • O indutivismo é a perspetiva segundo a qual o método científico se apoia essencialmente no raciocínio indutivo, quer quando parte de observações particulares para chegar a leis gerais, quer quando recorre à experimentação para confirmar teorias.
  • Popper, por sua vez, defende uma perspetiva dedutivista (ou não-indutivista), de acordo com a qual os cientistas recorrem à observação e à experimentação, não exatamente como ponto de partida ou suporte das teorias, mas antes para as testar, procurando refutá-las.

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Ficha Técnica

  • Título: O método científico: indutivismo e falsificacionismo
  • Área Pedagógica: Filosofia
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Aires de Almeida
  • Ano: 2020
  • Imagem: Foto de Artem Podrez no Pexels