Contributos da cultura muçulmana para a cultura ibérica
Nos territórios ocupados pelos muçulmanos circulavam milhares de pessoas que contribuíram para a difusão de ideias e para o desenvolvimento económico e cultural. Neste espaço de diversidade cultural circulava o conhecimento e as inovações que se produziam no espaço do Império muçulmano, do Oriente a Ocidente. A característica de sincretismo cultural que a civilização muçulmana evidenciava favoreceu os povos com quem contactou.
A Circulação e divulgação do conhecimento
O desenvolvimento cultural e científico que se verificou no espaço muçulmano resultou da grande circulação de conhecimentos então ocorrido, partilhado entre os diversos povos e culturas que coabitavam nos territórios islamizados. Desde a Pérsia, à Síria, onde se encontravam escolas de Filosofia e várias bibliotecas com cópias de obras de filósofos, cientistas, poetas gregos, entre outros, ao Egito e Mesopotâmia, à China e à India, a circulação do conhecimento generalizou-se. Desenvolveram-se vários ramos do saber:
- Na matemática: com a utilização da numeração indiana (vulgarmente conhecida como numeração árabe) que utilizava o conceito de zero, revolucionou-se a álgebra e as operações aritméticas.
- Na astronomia: desenvolveram-se estudos sobre o movimento e a distância entre astros. Nomes de estrelas – Aldebaran, Altair e Deneb e termos astronómicos – alidade, azimute e nadir, atribuídos pelos estudiosos muçulmanos, continuam a ser utilizados na atualidade.
- Na química: descobriu-se a produção de álcool por destilação e como produzir ácido sulfúrico.
- Na medicina: Avicena, médico, filósofo, astrónomo e político, nascido em Córdova, descreveu várias doenças, estabeleceu a existência de uma relação entre doenças do foro psíquico e físico e compreendeu que as infeções ocorriam, também, através de água e solos contaminados.
- Na agricultura – introduziram-se técnicas de regadio e irrigação, como a nora, a picota, o açude e canais de rega, e novas culturas, como as de cana-de-açúcar, laranjeira, alfarrobeira, amendoeira e arroz.
As cidades muçulmanas ibéricas, centros de renascimento e de revitalização comercial e cultural
Nos territórios do Al Andaluz ocorreu um renascimento urbano, comercial e cultural, possibilitado pelo cosmopolitismo muçulmano, nomeadamente pela sua convivência, essencialmente pacífica, com as culturas cristã e judaica.
As cidades, onde ocorreram a maior parte das conversões dos indígenas ao islamismo desenvolveram-se graças à revitalização de rotas comerciais antigas e pela abertura de novos mercados, o que possibilitou a troca de ideias, produtos e de novidades científicas. Desenvolveu-se a arquitetura religiosa e civil e as artes decorativas, caraterizadas pelas elaboradas decorações geométricas e vegetalistas.
A civilização islâmica aproveitou as tradições indígenas, romanas e visigóticas, verificando-se uma reutilização de materiais e espaços assim como a adoção do arco de ferradura, já utilizado pelos Visigodos. De entre muitas das figuras que se destacaram na península Ibérica, encontram-se Al Zarqali, na astronomia, Abulcasis e Maimónides (de origem judaica) na medicina, Ibne al Baitar na botânica e farmacologia, Averróis na filosofia, Al Idrisi na geografia, Ibn al Awwam na agricultura.
A literatura teve um especial florescimento destacando-se o poeta e pedagogo Ibn Abd Rabbi e Ibn Hazm. No século XI destacaram-se várias figuras no ocidente da península Ibérica: de Beja o poeta, teólogo e jurista Abu-I Walid al-Baji e al-Muʿtamid, poeta e rei. De Estômbar o poeta e vizir Ibn ‘Ammâr; de Cacela o poeta Ibn Darrâ; de Silves o filósofo e poeta Ibn al-Sîd e o poeta Ibn al-Tallâ.
A convivência que existia em território peninsular era quebrada em momentos de invasões e incursões por parte dos muçulmanos e de cristãos. A partir do início do século XII o ambiente de relativa coexistência que marcava as relações entre o norte e o sul da península tinha diminuído. Os muçulmanos a viverem sob domínio cristão, os mudéjares, viam a sua situação piorar em épocas de ataques islâmicos, em larga escala, sobre territórios controlados pelos cristãos, como aconteceu aquando da investida dos almorávidas no século XI e dos almóadas no século XII.
A mensagem de tolerância surge da convivência entre povos, da aceitação e das relações interculturais que se estabelecem, produzido sínteses culturais resultantes da apropriação e transformação de elementos culturais, e civilizacionais que possibilitam um desenvolvimento intelectual e cultural entre os povos.
A radicalização social, religiosa, política e cultural normalmente fundamenta-se no regresso a uma existência passada, ou reposição de valores que assumem um cariz ortodoxo, não dando espaço à diferença e evolução. A radicalização não tem espaço para o encontro, para a diversidade e para as relações interculturais.
A civilização muçulmana possibilitou uma abertura no mundo Ibérico do século VIII e seguintes que, sempre que os movimentos religiosos quer cristãos como muçulmanos se radicalizavam, punham em causa a convivência que existia entre as diferentes comunidades do al Andaluz e do mundo cristão.
Síntese:
- A vastidão do Império muçulmano implicava uma diversidade de culturas e civilizações com distintos desenvolvimentos civilizacionais.
- O controle das rotas comerciais possibilitou a disseminação de conhecimento entre os povos com os quais os muçulmanos contactavam.
- O sincretismo cultural muçulmano resultou num espaço cultural ibérico, que se pode encontrar, na arquitetura, nas artes decorativas, na literatura, entre outras.
- A radicalização de movimentos religiosos cristãos como as Cruzadas (séculos XI a XIII) e muçulmanos como os Almorávidas e Almóadas (Cruzadas (séculos XI a XII) quebravam a coexistência relativamente pacífica que existia na península.
Ficha Técnica
- Título: Indicar os principais contributos da cultura muçulmana para a cultura ibérica. Distinguir a mensagem de tolerância, defendida pela maioria dos muçulmanos, do radicalismo islâmico, praticado por uma minoria.
- Autoria: Associação dos Professores de História/ Marta Torres
- Produção: RTP/ Associação dos Professores de História
- Ano: 2021
- Imagem: Iluminura mostrando um Judeu, um cristão e um Muçulmano jogando xadrez