Porque eclodiu o Renascimento em Itália
Por Renascimento entende-se um movimento cultural que se estende sensivelmente entre meados do século XIV e o século XVI. Difunde-se a partir de Itália, onde uma nova classe de mercadores e banqueiros, através do mecenato e da encomenda, patrocinou o trabalho de artistas e outros intelectuais que se dedicaram ao estudo de fontes da antiguidade. O seu individualismo e espírito crítico ajudará a questionar essas fontes, levando a um grande desenvolvimento técnico e científico.
Vários artistas e outros letrados italianos da época recorriam à palavra rinascitá quando aludiam ao tempo em que viviam e ao seu próprio trabalho. Referiam-se a um corte com um período imediatamente anterior, que denominam de Idade Média, “a longa noite de mil anos” entre o final do Império Romano e o seu presente.
De facto, talvez não fosse tanto assim. As condições que levaram à eclosão do Renascimento em Itália, de onde se difundirá ao resto da Europa, começam a delinear-se bastante antes, dependendo também de contactos com a restante Europa e geografias para lá desta.
Na península italiana do século XV reúnem-se circunstâncias de ordem económica, política, social e cultural que se favorecem mutuamente. Os mercadores de Génova ou Veneza haviam conseguido há um século ligar por mar o comércio do extremo Oriente do Mediterrâneo ao norte da Europa, nomeadamente à Inglaterra e à Flandres. E seriam não só, mas também, banqueiros italianos a mediar os pagamentos destas trocas comerciais.
Foi o poder económico daqui decorrente que permitiu o florescimento das cidades em que viviam, como Génova, Veneza, Florença, Siena, Bolonha ou Nápoles, ajudando igualmente ao reforço do poder do Papa e de Roma, que seria expresso através do mecenato ou da encomenda de obras, patrocinando o trabalho de artistas e outros intelectuais.
A ideia de rinascitá implicava ser necessário conhecer autores e obras da Antiguidade. É o que sucede em Roma, com a possibilidade de ver e estudar ruínas de monumentos, ao mesmo tempo que se lia um maior número de textos clássicos, muitos deles anteriormente traduzidos e guardados em bibliotecas da Península Ibérica por estudiosos árabes. A fuga de vários letrados para Itália, após a queda de Bizâncio em 1453, irá aprofundar esse contacto com fontes da Antiguidade. Porém, era preciso que esses textos e edifícios fossem olhados enquanto documentos que se devia estudar e compreender.
É o que acontece com os estudos de arqueologia e filologia, que ajudam a recuperar modelos da Antiguidade Clássica, procurando chegar aos originais e interpretá-los diretamente, nomeadamente através do trabalho dos humanistas. Mas era também necessário afastar a autoridade de outras interpretações sobre esses mesmos documentos. Expunham-se assim dois valores europeus que se afirmam nesta altura.
Um individualismo que implica que apesar de o mundo ser uma criação divina, cabe a cada homem decidir o seu destino (livre arbítrio), sendo ele o responsável pelas suas ações, feitos e chegada ao conhecimento. O que era possível mediante um espírito crítico que apenas aceitava algo como verdade se pudesse compreender os seus fundamentos. Assim se revela também o antropocentrismo que anima estes anos, considerando o Homem a medida de todas as coisas, o ser mais importante da criação divina, sendo por isso um objeto de estudo indispensável para compreender o mundo e Deus. O que ajudará, por exemplo, ao desenvolvimento da anatomia e da medicina.
Mas esse estudo debruçava-se igualmente sobre a natureza, o que passava por observar, quantificar, medir, colecionar objetos e realizar experiências que levassem a um melhor conhecimento do mundo natural. Também aqui se faz sentir a influência de estudos clássicos em botânica, zoologia, geometria, astronomia ou geografia, sendo fulcrais para um desenvolvimento técnico e científico que ajudará a confirmar a consciência de que era possível ultrapassar os feitos da Antiguidade.
Se a prazo Nicolau Copérnico (1473 – 1543) verá a sua teoria heliocêntrica confirmada, também nestes dois séculos se desenvolve o uso já conhecido do astrolábio, da bússola ou da pólvora. O que a par da adaptação da artilharia aos navios permitiu um domínio praticamente absoluto de países europeus sobre as rotas de comércio marítimo.
Igualmente importante foi o desenvolvimento da perspetiva geométrica, por Fillippo Bruneleschi em cerca de 1416, dando lugar a um modo de representação do espaço que colocava sob um mesmo princípio de organização todos os objetos que aí se encontrassem. Mas o progresso técnico que porventura melhor pode ajudar a definir estes dois séculos, sendo fulcral para toda a história daí em diante, é a invenção da imprensa de tipos móveis em chumbo por Johannes Gutenberg, por volta de 1440. Este invento permitiu multiplicar a quantidade de textos publicados, facilitando a circulação de livros ou panfletos e o acesso a textos na sua versão original. Neste campo, o domínio do Latim por parte destes homens do Renascimento foi um fator determinante, funcionando como língua comum.
Síntese
- O Renascimento foi um movimento cultural situado entre meados século XIV e o século XVI.
- O Renascimento difunde-se a partir de Itália.
- É o mecenato por banqueiros e mercadores que suporta o estudo dos intelectuais renascentistas.
- O estudo de fontes da antiguidade vai permitir um grande desenvolvimento técnico e científico.
Ficha Técnica
- Título: Enumerar razões que favoreceram a eclosão do Renascimento em Itália. Relacionar a redescoberta da cultura clássica com a emergência dos novos valores europeus (antropocentrismo, individualismo, valorização da Natureza, espírito crítico) Relacionar os valores cultivados pelo movimento renascentista com o alargamento da compreensão da Natureza e do próprio Homem, salientando exemplos do grande desenvolvimento da ciência e da técnica operado neste período (séculos XV a XVI).
- Autoria: Associação dos Professores de História/André Silveira
- Produção: RTP/ Associação dos Professores de História
- Ano: 2021
- Imagem: La nascita di Venere, Sandro Botticelli. Google Art Project