Vanguarda
Historicamente separam-se as vanguardas das neo-vanguardas da segunda metade do século XX, associando as primeiras às diversas rupturas protagonizadas entre finais do século XIX e meados do século XX por movimentos como o Impressionismo, Pós-impressionismo, Fauvismo, Cubismo, Futurismo, Expressionismo, Construtivismo, Abstraccionismo, Dada ou o Surrealismo. O termo vanguarda pode associar-se em à ideia de revolução e de aliança com propósitos progressistas, numa relação que tenderá a esbater-se do século XIX em diante, até à recuperação desta relação histórica já no contexto do após Maio de 1968.
O termo vanguarda, proveniente do francês avant-garde, tem origem no léxico militar, onde denomina a frente do exército, em que um contingente de soldados especializados cria as condições para o avanço da restante força militar. O seu uso no contexto cultural remonta já a finais do século XVI, quando Étienne Pasquier (1529-1615), no seu Recherches de la France (1581), se reporta a uma guerra contra a ignorância a ser movida pela vanguarda.
Cerca de dois séculos mais tarde, durante a Revolução Francesa, o termo vanguarda associar-se-á em definitivo à ideia de revolução e de aliança com propósitos progressistas.
No contexto da arte, esta relação tenderá a esbater-se durante o século e meio seguinte, em diferentes matizes que vão passando por momentos em que aquele propósito de ação sobre o contexto histórico político e social se mantém ou é claramente referido, por outros em que se encontra de certo modo neutralizado, até à recuperação desta relação histórica já no contexto do Maio de 1968.
Assim, em França, no início do século XIX, no círculo próximo de Henri de Saint-Simon (1760-1825), é possível ainda encontrar ligadas ambas as vanguardas, a artística e a política. Em 1825 é publicado um texto por Olinde Rodrigues (1795-1851), “L’artiste, le savant et l’industriel”, diálogo em que o artista defende uma ação conjunta, servindo os artistas a vanguarda na medida em que fomentavam os novos ideais políticos, apontando “ao coração e à imaginação” dos homens, sendo o seu “efeito o mais vívido e mais decisivo”.
Se o papel atribuído à arte como modo de atuar junto das populações não era exatamente uma novidade, serão as formas como esta relação virá a ser pensada no contexto de uma autonomização do campo artístico que interessa destacar a partir deste momento.
De facto, no século XIX são notórias práticas em que um pendor de forte crítica social e política é imediatamente discernível, como no caso do Realismo de Gustave Courbet (1819-1877) ou Jean-François Millet (1814-1875).
Vai-se aprofundando a ideia de que uma intervenção política e social de fundo dependeria também de práticas artísticas capazes de efetuar uma rutura com a tradição artística. Tradição essa que reportava à elaboração de uma arte aristocrática, primeiro, e burguesa, depois, cujas convenções estilísticas ou temáticas expressavam e serviam a sua própria visão do mundo.
Este sentido de que a intervenção do artista depende antes de mais de uma mudança no seu próprio campo de trabalho é aprofundado pelo pintor francês neoimpressionista Paul Signac (1863-1935), quando defende em 1891 que é através da sua técnica e no território da estética pura que os artistas testemunham e participam desse “grande processo social”.
Entretanto, até meados do século XX, várias práticas artísticas, em diversos momentos, tornam sensível uma maior aproximação entre as vanguardas artísticas e políticas. Já no após o Maio de 1968, num texto de 1974, com o título Teoria da Vanguarda, Peter Bürger (1936-2017) definirá como vanguardas históricas aqueles movimentos como o Dada, o Construtivismo ou o Surrealismo que haviam encetado uma crítica à arte enquanto instituição, mostrando os limites da separação entre a arte e a restante vida social, rejeitando assim a noção de autonomia estética.
Bürger procurava recuperar uma ligação entre as vanguardas na arte e a atuação no contexto histórico que apenas identificava naqueles três movimentos. Considerando ainda que a crítica destas vanguardas estava já esvaziada nas neovanguardas da segunda metade do século XX, num processo que se havia aprofundado essencialmente a partir do segundo quartel do século XX com a cooptação das vanguardas históricas pelas próprias instituições da arte.
Contudo a ideia de vanguarda, atribuindo-se-lhe uma maior ou menor autonomia estética, havia sido pensada e confrontada de outras maneiras. Tal foi visível no ataque às ruturas artísticas de início do século XX, com o Regresso à Ordem e a afirmação de vários governos ditatoriais na Europa, anos 1920 e 1930. Casos da sua acusação como arte degenerada pela Alemanha Nazi ou, por outro lado, da defesa do Realismo Socialista pela ortodoxia soviética, após um primeiro momento pós-revolução de Outubro de 1917, em que artistas como El Lissitzky (1890-1941) ou Alekasandr Rodchenko (1891-1956), entre outros ligados ao Construtivismo ou ao Suprematismo russo, haviam participado ativamente no movimento revolucionário.
Por outro lado, mesmo nas democracias liberais a ocidente, a noção de vanguarda assumira aquela dimensão puramente autónoma, associada ao individualismo e a uma determinada ideia de liberdade. Discurso que serviria a retórica dos EUA face a regimes totalitários, ao mesmo tempo que se articulava com os ciclos de novidade e consumo que sustentavam os seus próprios tecidos culturais e proposta de organização politica, económica e social, eliminando no caminho a ligação anterior entre a vanguarda artística e política. De resto, é também neste contexto que melhor se entende a definição mais comum de vanguardas artísticas como práticas que se situam nos limites do experimentalismo.
Do ponto de vista histórico, separam-se as vanguardas das neovanguardas da segunda metade do século XX, associando as primeiras às diversas ruturas protagonizadas entre finais do século XIX e meados do século XX por movimentos como o Impressionismo, Pós-impressionismo, Fauvismo, Cubismo, Futurismo, Expressionismo, Construtivismo, Abstracionismo, Dada, Surrealismo ou o Expressionismo-Abstrato.
Síntese
- O termo vanguarda, proveniente do francês avant-garde, tem origem no léxico militar, onde denomina a frente do exército, em que um contingente de soldados especializados cria as condições para o avanço da restante força militar.
- Historicamente separam-se as vanguardas das neo-vanguardas da segunda metade do século XX, associando as primeiras às rupturas protagonizadas entre finais do século XIX e meados do século XX por diversas práticas artísticas.
- O termo vanguarda pode associar-se em à ideia de revolução e de aliança com propósitos progressistas, numa relação que tenderá a esbater-se do século XIX em diante, até à recuperação desta relação histórica já no contexto do após Maio de 1968.
Ficha Técnica
- Título: Vanguarda
- Área Pedagógica: História da Arte e da Cultura
- Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira
- Ano: 2021
- Imagem: Autorretrato de Gustave Courbet