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O mercado da arte

O mercado da arte

A consolidação do mercado da arte inicia-se na época moderna, fundamentalmente do século XVII em diante, alterando-se lentamente um modelo de encomenda ou mecenato, para um outro em que as propostas artísticas escapavam à relação directa entre produtor e adquirente. A constituição de um circuito de mercado que inclui galerias e leiloeiras, mas também museus, bienais ou produção teórica, levará no século XX a uma reacção, procurando-se circuitos alternativos ou processos artísticos que escapassem a um mercado baseado no objecto.

Ao longo da história houve formas diversas de relações económicas associadas à produção de obras de arte, por venda direta ou encomenda, mecenato ou outro tipo de contratos. Porém, a consolidação de um mercado da arte, que evoluiria para o modo como hoje se conhece, apenas se inicia na época moderna. Segundo alguns autores, há que ter em conta um conjunto de condições que apenas no século XVII se vão conjugar: a venda em mercado primário, implicando uma relação mais ou menos direta entre o artista e o comprador; a transação em mercado secundário ou de revenda; a presença de intermediários, avaliadores e consultores especializados; a criação de leilões; a sedimentação de uma prática teórica que consubstancie o conhecimento na área; a constituição de coleções devidamente sistematizadas; o recurso às obras de arte como investimento. 

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Apesar de anterior, a criação em 1540 da galeria dos pintores no edifício da bolsa de Antuérpia, ainda no século XVI, mostrava já a consolidação de parte destas condições, sendo igualmente relevante por outros motivos.

Em primeiro lugar, indicava a ascensão da pintura como um dos meios privilegiados das artes visuais ao longo dos séculos seguintes. Em segundo lugar, demonstrava como o mercado da arte se ia sedimentando e especializando, encontrando aqui já um espaço distinto, dedicado única e exclusivamente a esta atividade. Em terceiro lugar, denotava a ligação estreita que existia e perdurará entre o campo da arte e o desenvolvimento dos capitalismos mercantil, industrial e financeiro, implicando mudanças ao nível do sistema de produção. Isto é, de um modelo em que predominava a encomenda ou o mecenato, para um outro em que as propostas artísticas encontravam outros locais de definição, não estando dependentes desta relação direta entre produtor e adquirente. O que se verificou, por exemplo no caso da pintura, quer por via dos salões de arte (grosso modo ao longo do século XVIII e da primeira metade do século XIX) ou das galerias de arte (sobretudo a partir de finais de oitocentos), sendo nestes locais que se jogava em larga medida a cotação dos trabalhos mais recentes.

Mas no século XVII o grosso do comércio de arte incidia ainda sobre a tapeçaria, a joalharia ou a produção de retábulos em madeira, entre outros, sendo possível perceber a sua relevância para além da relação com as alterações sociais, económicas e políticas que se vão registando por estes anos. De facto, o comércio implicou mesmo mudanças na morfologia dos retábulos, nomeadamente na progressiva redução da sua largura, denotando uma influência clara sobre opções plásticas.

Já na pintura, o uso cada vez mais comum da tela como suporte, registado entre os séculos XVI e XVII, vai facilitar o transporte e instalação e, desta forma, a sua venda. Simultaneamente, a ascensão social de uma classe mercantil e o papel cada vez mais relevante da arte como meio de afirmação de um estatuto económico e cultural – e por essa via também político -, contribuirá para o desenvolvimento do comércio de arte, tanto no que dizia respeito à produção coeva, como no mercado de antiguidades. Esse estatuto, por sua vez, encontrava-se na dependência de um conhecimento que, ao longo dos séculos seguintes, irá ser consolidado pelo estabelecimento das bases teóricas e materiais para o desenvolvimento da história da arte, da estética ou da crítica de arte, especialmente da segunda metade do século XVIII em diante. 

Crítica de arte
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Entretanto, a partir de finais do século XVII, generalizam-se os leilões, registando-se um crescimento contínuo do número de peças negociadas, ao mesmo tempo que o grosso do negócio em arte se desloca de Amesterdão para Londres, na sequência da crise financeira vivida na Flandres em finais do século. Assim, é já no século XVIII, em 1744 e 1766, que são fundadas em Londres, respetivamente, a Sotheby’s e a Christie’s. Duas leiloeiras que continuaram em expansão até hoje, em muito contribuindo para a visibilidade e valorização de práticas artísticas ou artistas.

E se no século seguinte, a partir de finais do século XIX, as galerias de arte se assumem como um dos polos da apresentação e divulgação de novas práticas artísticas, cerca de um século mais arte, da década de 1970 em diante, entram em jogo as feiras de arte que reuniam conjuntos alargados de galerias, como a Feira de Arte de Basileia (1970) ou a Feira Internacional de Arte de Paris (1974). Desde aí, o número de feiras continuará a aumentar, acompanhando o crescimento do mercado da arte no número de peças transacionadas, valores atingidos e zonas geográficas abrangidas. Esta constituição de um circuito internacional que inclui galerias e leiloeiras, mas também museus, bienais, publicações, investigação histórica ou outra produção teórica, levará a uma reação por parte do campo da arte. Apesar da sua posterior integração nos circuitos de mercado, práticas associadas à Land Art, à performance, ao movimento Art & Language e, em sentido geral, à arte conceptual – de que o entendimento da desmaterialização da arte proposta por Lucy Lippard (1937) em 1968 é um exemplo – procuraram a constituição de circuitos alternativos ou de processos artísticos que escapassem a um mercado baseado no objeto.

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Síntese

  • A consolidação do mercado da arte inicia-se na época moderna, fundamentalmente do século XVII em diante.
  • O desenvolvimento do mercado da arte ajudará à alteração de um modelo de encomenda ou mecenato, para um outro que escapava à relação directa entre produtor e adquirente,.
  • A constituição de um circuito de mercado internacional inclui galerias e leiloeiras, mas também depende de colecionadores, museus, bienais ou da produção teórica.
  • Na segunda metade do século XX haverá uma reacção à mercadorização da arte, procurando-se circuitos alternativos ou processos artísticos que torneassem um mercado que ainda dependia do objecto.

Temas

Ficha Técnica

  • Título: O mercado da arte
  • Tipologia: Explicador
  • Autoria: Associação de Professores de História/André Silveira
  • Ano: 2021
  • Imagem: Leilão de arte na Christie's, Microcosm of London Plate 006