Paisagem
A paisagem não é o mero resultado de um conjunto de elementos naturais e humanos que existem num espaço físico, compondo um puzzle com um grau de humanização mais ou menos elevado. Esta visão demasiado simplista da realidade requer a alteração deste paradigma para uma “literacia da paisagem” que capacite os cidadãos a pensar concetualmente a paisagem como uma realidade objetiva, mas também subjetiva dependente do seu valor intrínseco, da perceção (individual e coletiva) e, ainda, da sua apropriação por parte das populações. Esta visão mais ampla é fundamental na tomada de decisões ambientalmente sustentáveis que suportem a gestão, proteção e ordenamento do território na defesa de um bem comum.
A paisagem que observamos hoje, é uma realidade complexa e dinâmica resultante de muitos fenómenos que se sobrepuseram no passado, decorrem no presente e verificar-se-ão no futuro. A paisagem está em contante evolução, não só por ação do maior agente de transformação – o Homem -, mas também por influência das próprias forças da natureza ao longo do tempo.
Ao observarmos uma paisagem, podemos identificar nos três planos de observação (Fig.1), um conjunto de elementos naturais (sem intervenção do Homem) e elementos humanos (construídos pelo Homem) cuja quantidade e proporção relativa permitem distinguir paisagens com diferentes graus de humanização – desde as mais primitivas (existência de elementos naturais) até às mais humanizadas (predominância de elementos humanos).
Para classificar uma paisagem é necessário identificar o elemento ou a conjugação de elementos visíveis predominantes (que ocupam uma maior superfície) e depois categorizá-la de acordo com a função e/ou serviço que exercem (ex. elementos ligados à produção agrícola, produção industrial, transportes e comunicações, função urbana, função ecológica, etc). Neste contexto, e de entre as paisagens mais comuns, destacam-se a urbana, a rural, a agrária e a industrial.
Contudo, esta visão é muito redutora, pois a complexidade de agentes intervenientes na paisagem, fá-la ser uma realidade multifuncional em que várias funções, relacionadas ou não, atuam num mesmo espaço e em igual período ou em períodos alternados, fornecendo serviços benéficos para o bem-estar humano (OCDE, 2001).
Deste modo, a quantidade e diversidade dos serviços que, direta ou indiretamente, providenciam benefícios humanos (ex. alimentos, madeiras, etc) exigem uma análise da multifuncionalidade da paisagem para se poder enumerar o conjunto de todos os serviços fornecidos pela mesma.
Assim, e mais do que a classificação generalista e irreal, importa fazer um levantamento funcional do espaço em que se proceda à análise, identificação e quantificação das funções com o objetivo último de preservar os ecossistemas e os benefícios humanos alcançados, selecionando as funções mais adequadas a cada ecossistema. Só assim estaremos a promover corretamente a gestão e ordenamento do território de forma a garantir a sustentabilidade futura do mesmo.
Por norma, a coexistência de várias funções na mesma paisagem obedece a um padrão de distribuição geográfica que permite identificar e individualizar as chamadas unidades de paisagem (Fig.2).
Cada unidade de paisagem corresponde a uma parte do território delimitada por um padrão comum, ou seja, pela mesma combinação de elementos naturais e/ou humanos – coerência multifuncional – que conferem a essa unidade uma singularidade e especificidade diferentes das demais unidades constituintes da paisagem (Fig.3).
Porém, a paisagem não é apenas o resultado dos elementos naturais e humanos visíveis e sua inter-relação. De acordo com o Artigo 1.º da Convenção Europeia da Paisagem (Conselho da Europa, 2000), a “Paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendido pelas populações, cujo caráter resulta da ação e da interação de factores naturais ou humanos”, ou seja, sendo a paisagem considerada um elemento fundamental e necessário para a vida dos seres humanos, o padrão da unidade de paisagem resulta da ação e da interação dos fatores naturais (componente objetiva) e culturais (componente subjetiva):
⦁ Componente objetiva (Litologia, relevo, hidrografia, clima, flora, fauna, uso do solo, população, povoamento, atividades humanas…);
⦁ Componente subjetiva (Perceção da população…).
Neste sentido, para além da dimensão objetiva, a paisagem adquire uma nova dimensão – a subjetiva – pois depende igualmente da perceção, apreensão, sensibilidade, experiência individual e coletiva de quem observa. Incorporando elementos subjetivos, por exemplo o olfato, a paisagem pode ser classificada de paisagem olfativa; pelo som, paisagem auditiva, etc (Fig.4).
A paisagem apresenta, assim, um caráter e uma identidade próprios, pelo que a sua definição mais complexa, remete para “…um património comum, um valor social relacionado com o lazer, o ambiente, a qualidade de vida, a cultura, etc…um bem que temos direito a desfrutar e o dever de proteger” – Orientações Curriculares – Geografia/Ministério da Educação (Câmara, et al. 2002: 7)
SÍNTESE
- O conceito de paisagem, carece de uma visão integrada, sistémica e dinâmica no espaço e no tempo, passível de abordagens interdisciplinares, ao permitir abarcar diferentes dimensões - ambientais, sociais, culturais e económicas. Por conseguinte, concetualmente, a paisagem engloba não só a componente objetiva (elementos naturais e humanos visíveis), mas também a subjetiva (perceção e apropriação da população).
- A coexistência de várias funções na mesma paisagem obedece a um padrão geográfico em que a combinação específica e repetida dos diferentes elementos do território numa determinada área permite categorizá-la, enquanto unidade de paisagem, e individualizá-la das restantes unidades.
- Mais do que um mero palco da ação humana, a paisagem reflete a identidade, individual e coletiva da comunidade que nela reside, trabalha e vive, incorporando-lhe valor acrescentado. Ela confunde-se com a própria história, valores e tradições do seu povo, logo, e para garantia da memória futura, há que preservá-la, promovendo uma gestão e ordenamento sustentável.
Ficha Técnica
- Área Pedagógica: A Terra - Estudos e Representações / Espaços Organizados pela População
- Tipologia: Explicador
- Autoria: Associação de Professores de Geografia
- Ano: 2021