Pontes de Edgar Cardoso, engenho e arte no rio Douro
Mais do que unir margens de rios, Edgar Cardoso fez da engenharia de pontes um exercício de inovação. Cada obra desafiava o engenho do construtor, cuidadoso e meticuloso, que se deixava levar pelo espírito dos lugares. Firme, o betão ligava-se à paisagem, acrescentando-lhe identidade e beleza. De todas as pontes que projetou e idealizou no mundo inteiro, as que atravessam o Douro e o Porto, a sua cidade de origem, têm um encanto especial. Belas, emblemáticas, icónicas. Algumas de grande complexidade, concebidas com métodos revolucionários. Um legado do mestre que permanece de pé.
Antes dos cálculos, a intuição. Escutar o espírito dos lugares, descobrir o local exato para unir as margens do rio. Esta era a primeira regra do engenheiro que encontrava na etimologia desta palavra a melhor definição para o seu ofício: homem com engenho. Na engenharia que Edgar Cardoso praticava havia técnica, ciência, mas também inovação e experimentalismo. E um apurado sentido estético. Por isso, as pontes por ele projetadas são muito mais do que estruturas para serem atravessadas, são obras cuidadas que acrescentam “beleza à paisagem”. Como se fossem peças arquitetónicas.
Para a sua cidade, o engenheiro, cientista, professor e Mestre, como era chamado, inventou pontes ousadas, complexas, a desafiarem as leis da engenharia mundial. O método usado ao longo de mais de 50 anos de carreira foi sempre o mesmo: primeiro testava as ideias, dava-lhes forma e volume com materiais que ele próprio trabalhava. Fazia maquetas, desenvolvia aparelhos, media e registava variações, oscilações, imperfeições. A escala reduzida servia para detetar problemas e encontrar as soluções possíveis. Um processo que continuava no estaleiro, durante toda a obra que fazia questão de acompanhar.
Na ponte da Arrábida, Edgar Cardoso conseguiu impressionar com o seu arrojado arco de betão armado – 270 metros de vão -, na época não havia outro que se lhe assemelhasse no mundo. À medida que os trabalhos avançavam, mais se desconfiava daquela técnica original, em que a estrutura praticamente se sustentava a si própria durante todo o processo de construção. Fizeram-se apostas, temia-se uma tragédia no dia da inauguração. A 22 de junho de 1963, o cimbre (armação metálica que suportava o betão) foi retirado, a ponte não desabou e o Porto rendeu-se a uma das mais emblemáticas obras do engenheiro da terra, classificada como monumento nacional.
Se a ponte da Arrábida depressa se transformou num ícone da cidade, a última estrutura que Edgar Cardoso projetou para o rio Douro estabeleceria um novo recorde – 250 metros entre pilares -, e seria considerada a sua obra-prima, a mais audaz; talvez a mais difícil, sublinha o professor Manuel Matos Fernandes neste programa. O desafio estava em desenhar uma travessia ferroviária que não ofuscasse a centenária – e já desativada- Maria Pia, um dos monumentos protagonistas da cidade. O exercício foi tão exemplar que a nova ponte de São João, de betão branco e pilares elegantes conseguiu o enquadramento certo para o ferro escuro de Gustave Eiffel. Daqui resultou mais um postal turístico para o Porto e Vila Nova de Gaia: duas pontes em permanente diálogo, a ligar diferentes tempos históricos.
Continuando a subir o rio, encontramos mais duas obras memoráveis deste engenheiro genial, com fama mundial, formado pela Universidade do Porto, em 1937. São as mesmas formas puras e singulares que descobrimos em Mosteirô, na albufeira do Carrapatelo, uma espécie de ensaio para a ponte da Arrábida e, na margem direita do Douro, na foz do rio Sousa, uma “joia escondida” projetada quando tinha apenas 35 anos.
Foz do Sousa, Mosteirô, São João e Arrábida, quatro pontes extraordinárias que atravessam a vida e a obra de Edgar Cardoso e contam uma parte importante da história da engenharia nacional do século XX. Quatro estruturas a cruzar as águas do Douro, um dos rios mais desafiantes da Europa como explica neste Visita Guiada o Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Manuel Matos Fernandes.
Ficha Técnica
- Título: Visita Guiada - Rio Douro, As Pontes de Edgar Cardoso
- Tipologia: Programa de Cultura Geral
- Autoria: Paula Moura Pinheiro
- Produção: RTP
- Ano: 2016